26/03/2010

" Escrevo Dentro da Noite"

" Escrevo Dentro da Noite"





Estou escrevendo para não gritar. Para não acordar



os que dormem felizes lado a lado,



os que repousam, aconchegados,



os que se encontram e continuam juntos



e não precisam sonhar



porque não dizem adeus...







Estou escrevendo para não gritar. Para enfunar o coração



ao largo.







E as palavras escorrem salgadas como um córrego de águas mortas



num silencioso pranto.



Tão perto, e nem percebes minha insônia. Nem ouves a confidência.



que põe nódoas no papel para não ter que acordar-te



e se transmuda em palavras, que são estátuas de sal.







Estou escrevendo para não gritar. Para não ter tempo



de acompanhar a noite,



para não perceber que estou só, irremediavelmente só,



e que te trago comigo



sem outra alternativa que o pensamento



- cela em que me debato a olhar a lua entre grades.







Estou escrevendo para não gritar. Para não perturbar



os que se amam



se juntam, e se estreitam, e sussurram na sombra



e passeiam ao luar,







para que as palavras chovam num dilúvio, silenciosamente,



e me alaguem, e me afoguem, e me deixem pela noite a dentro



como um corpo sem vida e sem alma,



a flutuar...







( Poema de J. G. de Araujo Jorge



do livro"A Sós..." 1a ed. 1958 )

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