21/03/2010

Catarina a Camões (cont.)

IV


Sim. Creio que se a vê-los te encontrasses

Agora, ao pé do leito em que me fino,

Ainda que a beleza lhes negasses,

Só pelo amor que neles eu defino

Com verdade

E ansiedade

Repetirias, meu amor, ao vê-los:

O lindo ser dos vossos olhos belos.

V

E se neles pusesse teu olhar

E eles pusessem seu olhar no teu,

Toda a luz que começa a lhes faltar

Voltaria de pronto ao lugar seu.

Com verdade

E ansiedade

Dir-se-ia como tu disseste ao vê-los:

O lindo ser dos vossos olhos belos.
VI

Mas – ai de mim! – tu não me vês senão

Nos pensamentos teus de amante ausente,

E sorrindo talvez, sonhando em vão,

Trás o abanar do leque levemente;

E, sem pensar,

Em teu sonhar

Iras talvez dizendo sempre ao vê-los:

O lindo ser dos vossos olhos belos,

VII

Enquanto o meu espírito se debruça

Do meu pálido corpo sucumbido,

Ansioso de saber que falas usa

Teu amor p'ra meu espírito ferido,

Poeta, vem

Mostrar bem

Que amor trazem aos olhos teus desvelos

– O lindo ser dos vossos olhos belos.

VIII

Ó meu poeta, ó meu profeta, quando

Destes olhos louvaste o lindo ser,

Pensaste acaso, enquanto ias cantando,

Que isso já estava prestes de morrer?

Seus olhares

Deram-te ares

De que breve podias não mais vê-los,

O lindo ser dos vossos olhos belos.

IX

Ninguém responde. Só suave, defronte,

No pátio a fonte canta em solidão,

E como água no mármore da fonte,

Do amor p'ra a morte cai meu coração.

E é da sorte

Que seja a morte

E não o amor, que ganhe os teus desvelos

– O lindo ser dos vossos olhos belos!

X

E tu nunca virás? Quando eu me for

Onde as doçuras estão escondidas,

E onde a tua voz, ó meu amor,

Não me abrirá as pálpebras descidas,

Dize, amo meu,

"O amor, morreu!"

Sob o cipreste chora os teus desvelos

– O lindo ser dos vossos olhos belos.

XI

Quando o angelus toca à oração,

Não passarás ao pé deste convento,

Lembrando-te, a chorar, do cantochão

Que anjos nos traziam do firmamento?

No ardor meu

Eu via o céu

E tu: "O mundo é vil, ó meus desvelos,


Ao lindo ser dos vossos olhos belos?"

XII

Devagar quando, do palácio ao pé,

Cavalgares, como antes, suave e rente,

E ali vires um rosto que não é

O que vias ali antigamente,

Dirás talvez

"Tanta vez

Me esperaste aqui, ó meus desvelos

Ó lindo ser dos vossos olhos belos!"

XIII

Quando as damas da corte, arfando os peitos,

Te disserem, olhando o gesto teu,

"Canta-nos, poeta, aqueles versos feitos

Àquela linda dama que morreu",

Tremerás?

Calar-te-ás?

Ou cantarás, chorando, os teus desvelos

– O lindo ser dos vossos olhos belos?

XIV

"Lindo ser de olhos belos!" Suaves frases

E deliciosas quando eu as repito!

Cem poesias outras que cantasses,

Sempre nesta a melhor terias dito.

Sinto-a calma

Entre a minha alma

E os rumores da terra ? pesadelos:

– O lindo ser dos vossos olhos belos.

XV

Mas reza o padre junto à minha face,

E o coro está de joelhos todo em prece,

E é forçoso que a alma minha passe

Entre cantos de dor, e não como esse.

Miserere

P'los que fere

O mundo, e p'ra Natércia, os teus desvelos

– O lindo ser dos vossos olhos belos.

XVI

Guarda esta fita que te mando

(Tirei-a dos cabelos para ti).

Sentir-te-ás, quando o teu choro arda,

Acompanhado na tua dor por mi;

Pois com pura

Alma imperjura

Sempre do céu te olharão teus desvelos

– O lindo ser dos vossos olhos belos.

XVII

Mas agora, esta terra inda os prendendo,

Desses olhos o brilho é inda alado...

Amor, tu poderás encher, querendo,

Teu futuro de todo o meu passado,

E tornar

A cantar

A outra dama ideal dos teus desvelos:

O lindo ser dos vossos olhos belos.

XVIII

Mas que fazeis, meus olhos, ó perjuros!

Perjuros ao louvor que ele vos deu,

Se esta hora mesmo vos não mostrais puros

De lágrima que acaso vos encheu?

Será forte

Choro ou morte

Se indignos os tornar de teus desvelos

– O lindo ser dos vossos olhos belos.

XIX

Seu futuro encherá meu 'spírito alado

No céu, e abençoá-lo-ei dos céus.

Se ele vier a ser enamorado

De olhos mais belos do que os olhos meus,

O céu os proteja,

Suave lhes seja

E possa ele dizer, sincero, ao vê-los:

– O lindo ser dos vossos olhos belos.

Elizabeth Barret Browning

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