30/04/2010

ABISMAL








Meus olhos estão olhando

De muito longe, de muito longe,

Das infinitas distâncias

Dos abismos interiores.

Meus olhos estão a olhar do extremo longínquo

Para você que está diante de mim.

Se eu estendesse a mão, tocaria a sua face.

Helena Kolody





RAZÕES CONJUGADAS


Da tristeza, tempo nascido do sonho,



Formaram-se o vento, as águas mansas,



A escuridão úmida sob o sol,



A neve amortalhando as distâncias,



O pranto confuso,



O silêncio compacto, tão pesado.







No caminho já pisado por mil pés



Há relva à procura da luz imaculada.







Tão relva quanto tão estrela



Ambas em tristeza confirmadas



Como o pranto tão confuso, tão chorado,



O silêncio tão compacto, tão pesado.



Ações do corpo conjugadas



Às canções que permanecem ocultas



À voz alegre dos rios,



Ao vôo das asas alumbradas.



Cárceres de sonhos e temores,



Desejos de morte sobre mortes,



No pranto tão confuso, tão chorado,



No silêncio tão compacto, tão pesado.




***

Adalgisa Nery



In Erosão, 1974






29/04/2010

A PROCURA




Andei pelos caminhos da Vida,



Caminhei pelas ruas do Destino -



procurando meu signo.



Bati na porta da Fortuna,



mandou dizer que não estava.



Bati na porta da Fama,



falou que não podia atender.



Procurei a casa da Felicidade,



a vizinha da frente me informou



que ela tinha se mudado



sem deixar novo endereço.



Procurei a morada da Fortaleza.



Ela me fez entrar: deu-me veste nova,



fez-me beber de seu vinho.



Acertei o meu caminho.
***
Cora Coralina

28/04/2010

" Cigarra Morta "



Vês... É uma cigarra morta, asas douradas


completamente roídas e estragadas,


levada pelas formigas...






Olhaste-me e eu te pude compreender...






Não diga nada, meu irmão, não digas,


- os poetas... as cigarras


não deviam morrer...






***
J. G. de Araujo Jorge

27/04/2010

" Dias Fantasmas "


Não são sólidos, não são líquidos,
são uma estranha massa pastosa estes dias
sem a tua presença,
dias fantasmas que se deforma e escorrem
como aqueles objetos criados pela imaginação doentia
de Salvador Dali.
Dias de massa pastosa, que nas minhas mãos de angústia
parecem maiores, parecem sem fim,
e se distendem fora do tempo numa infinita espera.
Com suas horas fabrico imagens que se enfunam e acenam
- brancas cortinas de sombra
tocadas pelo vento...
Dias vazios . . . Em seus corredores de ermo e silêncio
nossos momentos de amor surgem a ressurgem
como fluidas visões mediúnicas
na inconsistência de sua matéria
tecida só de lembranças . . .

( Poema de J. G. de Araujo Jorge,
do livro"A Sós..." 1a ed. 1958 )

26/04/2010

Lembro-me de ti

“Lembro-me de ti

Nesse instante absoluto,

A vida conduzida por um fio de música.

Intenso e delicado, ele vai-nos fechando num casulo

Onde tudo será permitido.

Se é só isso que podemos ter,

Que seja forte. Que seja único.

Tão íntimo quanto ouvirmos a mesma melodia,

Tendo o mesmo - esplêndido - pensamento.”

Lya Luft

25/04/2010

EU ESCREVI UM POEMA TRISTE



Eu escrevi um poema triste

E belo, apenas da sua tristeza.

Não vem de ti essa tristeza

Mas das mudanças do Tempo,

Que ora nos traz esperanças

Ora nos dá incerteza...

Nem importa, ao velho Tempo,

Que sejas fiel ou infiel...

Eu fico, junto à correnteza,

Olhando as horas tão breves...

E das cartas que me escreves

Faço barcos de papel!



Mario Quintana - A Cor do Invisível

24/04/2010

Fere de leve a frase... E esquece... Nada

Convém que se repita...

Só em linguagem amorosa agrada

A mesma coisa cem mil vezes dita.



Mario Quintana

23/04/2010

Esperemos


Há outros dias que não têm chegado ainda,
que estão fazendo-se
como o pão ou as cadeiras ou o produto
das farmácias ou das oficinas



- há fábricas de dias que virão -
existem artesãos da alma
que levantam e pesam e preparam
certos dias amargos ou preciosos



que de repente chegam à porta
para premiar-nos
com uma laranja
ou assassinar-nos de imediato.


Pablo Neruda (Últimos Poemas)


22/04/2010

Ironias do Amor (My Sassy Girl, 2008, EUA)

Charlie Bellow (Jesse Bradford) é uma pessoa realista, que gosta de planejar as coisas antes de realizar algo. Jordan Roark (Elisha Cuthbert) é seu oposto. Logo após se conhecerem  no metrô de Nova Iorque,  apaixonam-se. Juntos, enfrentam diversas situações que deveria afastá-los, mas isto não acontece, e a oposição do dr. Roark (Chris Sarandon), pai de Jordan.. Com o tempo eles percebem que todos os indícios de que o relacionamento deles não daria certo eram falsos.
Direção de Yann Samuell, roteiro de Victor Levin, baseado em roteiro de Kwak Jae-Young e em livro de Kim Ho-Sik.

http://www.youtube.com/watch?v=uZc0PP_LJ8c

Minha nota: ****

21/04/2010

Minha alma...

"Minha alma tem o peso da luz.



Tem o peso da música.



Tem o peso da palavra nunca dita,



prestes quem sabe a ser dita.



Tem o peso de uma lembrança.



Tem o peso de uma saudade.



Tem o peso de um olhar.



Pesa como pesa uma ausência.



E a lágrima que não se chorou.



Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros."
Clarice Lispector

(getty images)

20/04/2010

Autopsicografia

Autopsicografia






O poeta é um fingidor.


Finge tão completamente


Que chega a fingir que é dor


A dor que deveras sente.






E os que lêem o que escreve,


Na dor lida sentem bem,


Não as duas que ele teve,


Mas só a que eles não têm.






E assim nas calhas de roda


Gira, a entreter a razão,


Esse comboio de corda


Que se chama coração.






Fernando Pessoa


19/04/2010

Amor


Foi por ali, - contá-lo neste instante,

é abrir o livro que eu fechado tinha,

e lê-lo, folha a folha, emocionante,

desde a primeira á derradeira linha;



é desvendar a história cruciante

da imensa angústia que eu sofrendo vinha,

da imensa mágoa atroz e delirante,

da incomparável desventura minha!



Abrir o livro e, num febril transporte,

folha a folha, tremente, recitá-lo,

é desvendar o amor ingrato e forte



de quem, na vida, ansioso para tê-lo,

teve a suprema dita de encontrá-lo

e a suprema desgraça de perdê-lo!





Vespasiano Ramos – (1884/1916)

São Luiz, Estado do Maranhão

18/04/2010

Soneto XXV







Antes de amar-te, amor, nada era meu
Vacilei pelas ruas e as coisas:
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.

 
E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se despediam,
Perguntas que insistiam na areia.

Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,

Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tua beleza e tua pobreza
De dádivas encheram o outono.

Pablo Neruda

17/04/2010

"A Última Estrela "

Voltaste as folhas, uma a uma, e agora

vais fechar este livro: a noite é finda...

O "meu céu interior..." já se descora

à luz de um dia que não vive ainda...



Não sei se achaste a minha noite linda,

se sentiste, como eu, o vir da aurora...

Vai a luz aumentando...A noite é finda

O "meu céu interior..." já se descora!...



Cada folha voltada, foi assim

como um raio de luz, a mais, brilhando...

- como uma estrela que encontrou seu fim...



Esta folha - é da noite, o último véu...

E este verso que lês, e vai findando,

a última estrela a se apagar no céu!...


*

J. G. de Araujo Jorge

15/04/2010

" Meu Diário "

" Meu Diário "







Mais que meu companheiro: confidente



dos momentos felizes e infelizes;



meu jardim de palavras, recônditas raízes.







O que penso tu pensas, o que dizes



é o que te diz minha alma, é o que ela sente,



por isso, em ti percebo as cicatrizes



que vão marcando o coração da gente







Em ti me ajoelho: és meu confessionário;



aqui desnudo a minha vida, e sinto



que és o espelho em que posso me rever;







arca de tantos sonhos, meu diário



a ti me entrego sem pudor, não minto,



se és pedaço do meu próprio ser!
***
 J. G. de Araújo Jorge

13/04/2010

Soneto XXVII - “Busco a Noite o Meu Leito ”

Cansado de lutar corro ao meu leito



para o repouso a que meu corpo aspira



mas minha mente, à hora em que me deito



trabalha em mim, quando o trabalho expira.







Pois já meus pensamentos bem despertos



correm, ciumentos para a tua busca,



e conservo os meus olhos bem abertos



olhando a escuridão que o cego ofusca.







Minh'alma em sonho vê tua figura



que, como se essa sombra me cegasse



- joia brilhando sobre a noite escura







faz bela a noite e nova a sua face.



Assim de dia o corpo e à noite a alma



por ti, como por mim, não acha calma.
 
***
William Shakespeare



Tradução de



Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça






12/04/2010

" No Deserto Jardim "


No deserto jardim, que a bruma envolve, pelas
árvores, de onde tomba, em punhado de estrelas
o adeus das flores de ouro e das folhas errantes;
sob um leve dossel de copas verdejantes,


nós iremos, até que a tarde abra no poente,
as asas de cristal e de prata silente.
Caminharemos entre as sebes, nas estradas;
e o perfume sutil que há nas ervas pisadas,


e o silêncio, e esse amargo encanto misterioso
que deixa, no ar, o outono inquieto e doloroso,
e o que sai dos chorões, dos ninhos e das fráguas,


das canangas azuis e das tranqüilas águas,
encherão nosso olhar de sonho e de esplendor,
como um aroma antigo enche a noite de amor...

*********************************
Albert Victor Samain (1859 - 1900)
Tradução de Ronald de Carvalho






11/04/2010

Caminho Monótono


E por que hei de negar?...Ah! o encanto da estrada
abrindo em cada curva um leque de paisagem,
e o mistério da casa escondida e encantada
que mora sob a sombra amiga da folhagem.
.
E por que hei de negar? Se isso é a vida passada;
se o fastio espantou o encanto da miragem.
Hoje - o olhar distraído, e a alma já cansada
repete todo dia e sempre a mesma viagem.
.
E por que hei de negar?Ah! Aquelas ânsias loucas
dos beijos que cantavam sempre em nossas bocas
e das mãos, não sabendo nunca onde pousar...
.
Hoje... por mais que venhas, sempre estou sozinho...
E por que hei de negar? Se teu corpo é um caminho
onde de olhos fechados posso caminhar?... 

***
J. G. de Araújo Jorge

08/04/2010

" Sol... e Chuva... "

" Sol... e Chuva... "





Gosto desses dias molhados, de chuva miúda, de chuva fina

chuva boa,

de névoa, de garoa,

em que a gente não sente a obrigação de ser feliz,

e fica em si mesmo à-toa...



Basta a gente ficar onde esta, nada mais, é tudo que se quer,

vendo a chuva cair, a chuva caindo,

ficar sentado, acomodado, num lugar qualquer

ouvindo o rumor da chuva, ouvindo.

ouvindo.



Dias que não pedem nada, que não exigem nada, que não incomodam,

em que a gente fica em casa, sem necessidade

de companhia, de ter alguém,

basta essa sensação que agora é minha...

Oh, a paz, essa felicidade impessoal, perfeita

que consegue ser feliz sozinha...



( Como doem certos dias de sol, de tanta alegria!)

Dias exigentes que gritam por felicidade, que reclamam vida e emoção

e que encontram às vezes a gente tão só

no meio de tanta gente,

tão só e desprevenido

sem saber que fazer - meu Deus! - do coração!



Dias de sol que derrubam a gente,

que maltratam a gente, passam por cima,

da gente

sem piedade,

tontos, deslumbrados,

e se vão a cantar uma felicidade

por todos os lados,

uma felicidade de bola de cristal, inexistente,

sem ver que ficamos no chão, como indigentes

abandonados...



Ah! gosto desses dias assim, de olhos embaciados, cinzentos,

de chuvinha mansa, de chuvinha boa,

que não perturbam o coração

que descansam a vista;

que, no máximo, esperam que a gente se sinta bem,

e nos deixam em paz, sem nada, nem ninguém,

- só isto!



Nesses dias, humilde e só, um pouco egoísta

talvez,

- existo...





( Poema de JG de Araujo Jorge extraído do livro

"Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou"

Vol. IV - 1a edição 1965 )

"Remember"


"Remember"








Recorda-te de mim quando eu embora
for para o chão silente e desolado;
quando não te tiver mais ao meu lado
e sombra vã chorar por quem me chora.

Quando não mais puderes, hora a hora,
falar-me no futuro que hás sonhado,
ah! de mim te recorda e do passado,
delícia do presente por agora.

No entanto, se algum dia me olvidares
e depois te lembrares novamente,
não chores: que se em meio aos meus pesares

um resto houver do afeto que em mim viste,
- melhor é me esqueceres, mas contente,
que me lembrares e ficares triste.







Christina Georgina Rossetti (1830-1891)



Tradução de Manuel Bandeira

07/04/2010

A casa das palavras


A casa das palavras




É de palavras



a casa que teimosamente



construo ao longo destes anos



que se arrastam sob meus pés



cansados







Há nela cômodos de palavras inúteis,



algumas que insisti em dizer tantas vezes



e nunca me levaram a nada;







Há na minha casa cômodos de palavras



que evitei nestes anos todos



porque sequer me consolaram



quando os dias se vestiram de dor.







É de palavras



a casa que construo pacientemente



enquanto os anos se lançam



estrada afora



e se fazem saudade que dói



feito a palavra nunca mais.







Mas há nela um cômodo especial



onde guardo as palavras mais belas:



as primeiras do meu filho,



algumas que ficaram dos amigos



a quem a estrada se fez caminho de ida



por primeiro,



as últimas do meu pai



e algumas juras de amor



que ainda aquecem as minhas noites



de poucas palavras.







© Ademir Antonio Bacca



In: O Relógio de Alice

06/04/2010

Reinvenção

Reinvenção







A vida só é possível



reinventada.







Anda o sol pelas campinas



e passeia a mão dourada



pelas águas, pelas folhas...



Ah! tudo bolhas



que vem de fundas piscinas



de ilusionismo... — mais nada.







Mas a vida, a vida, a vida,



a vida só é possível



reinventada.







Vem a lua, vem, retira



as algemas dos meus braços.



Projeto-me por espaços



cheios da tua Figura.



Tudo mentira! Mentira



da lua, na noite escura.







Não te encontro, não te alcanço...



Só — no tempo equilibrada,



desprendo-me do balanço



que além do tempo me leva.



Só — na treva,



fico: recebida e dada.







Porque a vida, a vida, a vida,



a vida só é possível



reinventada.







Cecília Meireles

05/04/2010

Passando dos Cinqüenta

Passando dos Cinqüenta







Meu pescoço se enruga.



Imagino que seja



de mover a cabeça



para observar a vida.



E se enrugam as mãos



cansadas dos seus gestos.



E as pálpebras



apertadas no sol.



Só da boca não sei



o sentido das rugas



se dos sorrisos tantos



ou de trancar os dentes



sobre caladas coisas.

(Marina Colasanti)

04/04/2010

Lágrimas ocultas


"Se me ponho a cismar em outras eras

Em que ri e cantei, em que era querida,

Parece-me que foi noutras esferas,

Parece-me que foi numa outra vida...



E a minha triste boca dolorida,

que dantes tinha o rir das primaveras,

Esbate as linhas graves e severas

E cai num abandono de esquecida!



E fico, pensativa, olhando o vago...

Toma a brandura plácida dum lago

O meu rosto de monja de marfim...



E as lágrimas que choro, branca e calma,

Ninguém as vê brotar dentro da alma!

Ninguém as vê cair dentro de mim!"



Adélia Prado

As mulheres ocas

As mulheres ocas



Nós somos a inorgânicas

Frias estátuas de talco

Com hálito de champagne

E pernas de salto alto

Nossa pele fluorescente

É doce e refrigerada

E em nossa conversa ausente

Tudo não quer dizer nada.



Nós somos as longilíneas

Lentas madonas de boate

Iluminamos as pistas

Com nossos rostos de opala.

Vamos em câmara lenta

Sem sorrir demasiado

E olhamos como sem ver

Com nossos olhos cromados.



Nós somos as sonolentas

Monjas do tédio inconsútil

Em nosso escuro convento

A ordem manda ser fútil

Fomos alunas bilíngües

de "Sacre-Coeur" e "Sion"

Mas adorar, só adoramos

A imagem do deus Mamon.



Nós somos as grâ-funestas

Filhas do Ouro com a Miséria

O gênio nos enfastia

E a estupidez nos diverte.

Amamos a vida fria

E tudo o que nos espelha

Na asséptica companhia

Dos nossos machos-de-abelha.



Nós somos as bailarinas

Pressagas do cataclismo

Dançando a dança da moda

Na corda bamba do abismo.

Mas nada nos incomoda

De vez que há sempre quem paga

O luxo de entrar na roda

Em Arpels ou Balenciaga.



Nós somos as grâ-funestas

As onézimas letais*

Dormimos a nossa sesta

Em ataúdes de cristal

E só tiramos do rosto

Nossa máscara de cal

Para o drinque do sol posto

Com o cronista social.
*****************

Vinicius de Moraes

Poesia completa e prosa

Organização: Alexei Bueno

Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar S.A
1998