Mostrando postagens com marcador pablo neruda. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador pablo neruda. Mostrar todas as postagens

11/03/2012

O tempo que não se perdeu


O tempo que não se perdeu
 Pablo Neruda

Não se contam as ilusões
nem as compreensões amargas,
não há medida para contar
o que não podia acontecer-nos,
o que nos rondou como besouro
sem que tivéssemos percebido
do que estávamos perdendo.
 
Perder até perder a vida
é viver a vida e a morte
não são coisas passageiras
mas sim constantes, evidentes,
a continuidade do vazio,
o silêncio em que cai tudo
e por fim nós mesmos caímos.
 
Ai! o que esteve tão cerca
sem que pudéssemos saber.
Ai! o que não podia ser
quando talvez podia ser.
 
Tantas asas circunvoaram
as montanhas da tristeza
e tantas rodas sacudiram
a estrada do destino
que já não há nada a perder.
 
Terminaram-se os lamentos.
 

27/12/2011

De noite, amada...



De noite, amada, amarra teu coração ao meu

e que eles no sonho derrotem
as trevas como um duplo tambor
combatendo no bosque
contra o espesso muro das folhas molhadas.
Noturna travessia, brasa negra do sonho.
Interceptando o fio das uvas terrestres
com pontualidade de um trem descabelado
que sombra e pedras frias sem cessar arrastasse.
Por isso, amor, amarra-me ao movimento puro,
à tenacidade que em teu peito bate.

Com as asas de um cisne submergido,
para que às perguntas estreladas do céu
responda nosso sonho com uma só chave,
com uma só porta fechada pela sombra.

Pablo Neruda

21/04/2011

Aqui eu te amo.


Aqui eu te amo.
Nos escuros pinheiros se desenlaça o vento.
Fosforece a lua sobre as águas errantes.
Andam dias iguais a perseguir-se.
Descinge-se a névoa em dançantes figuras.
Uma gaivota de prata se desprende do ocaso.
Às vezes uma vela. Altas, altas, estrelas.
Ou a cruz negra de um barco.
Só.
Às vezes amanheço, e minha alma está úmida.
Soa, ressoa o mar distante.
Isto é um porto.
Aqui eu te amo.
Aqui eu te amo e em vão te oculta o horizonte.
Estou a amar-te ainda entre estas frias coisas.
Às vezes vão meus beijos nesses barcos solenes,
que correm pelo mar rumo a onde não chegam.
Já me creio esquecido como estas velha âncoras.
São mais tristes os portos ao atracar da tarde.
Cansa-se minha vida inutilmente faminta.
Eu amo o que não tenho. E tu estás tão distante.
Meu tédio mede forças com os lentos crepúsculos.
Mas a noite enche e começa a cantar-me.
A lua faz girar sua arruela de sonho.
Olham-me com teus olhos as estrelas maiores.
E como eu te amo, os pinheiros no vento,
querem cantar o teu nome, com suas folhas de cobre.

***
Pablo Neruda

15/02/2011

Ode ao Gato




Os animais foram

imperfeitos,

compridos de rabo, tristes

de cabeça.

Pouco a pouco se foram

compondo,

fazendo-se paisagem,

adquirindo pintas, graça vôo.

O gato,

só o gato apareceu completo

e orgulhoso:

nasceu completamente terminado,

anda sozinho e sabe o que quer.



O homem quer ser peixe e pássaro,

a serpente quisera ter asas,

o cachorro é um leão desorientado,

o engenheiro quer ser poeta,

a mosca estuda para andorinha,

o poeta trata de imitar a mosca,

mas o gato

quer ser só gato

e todo gato é gato do bigode ao rabo,

do pressentimento à ratazana viva,

da noite até os seus olhos de ouro.



Não há unidade

como ele,

não tem

a lua nem a flor

tal contextura:

é uma coisa

só como o sol ou o topázio,

e a elástica linha em seu contorno

firme e sutil é como

a linha da proa de uma nave.

Os seus olhos amarelos

deixaram uma só

ranhura

para jogar as moedas da noite .



Oh pequeno imperador sem orbe,

conquistador sem pátria,

mínimo tigre de salão, nupcial

sultão do céu

das telhas eróticas,

o vento do amor

na intempérie

reclamas

quando passas

e pousas

quatro pés delicados

no solo,

cheirando,

desconfiando

de todo o terrestre,

porque tudo

é imundo

para o imaculado pé do gato.



Oh fera independente

da casa, arrogante

vestígio da noite,

preguiçoso, ginástico

e alheio,

profundíssimo gato,

polícia secreta

dos quartos,

insígnia

de um

desaparecido veludo,

certamente não há

enigma na tua maneira,

talvez não sejas mistério,

todo o mundo sabe de ti e pertences

ao habitante menos misterioso

talvez todos acreditem,

todos se acreditem donos,

proprietários, tios

de gato, companheiros,

colegas,

discípulos ou amigos do seu gato.



Eu não.

Eu não subscrevo.

Eu não conheço o gato.

Tudo sei, a vida e o seu arquipélago,

o mar e a cidade incalculável,

a botânica

o gineceu com os seus extravios,

o pôr e o menos da matemática,

os funis vulcânicos do mundo,

a casca irreal do crocodilo,

a bondade ignorada do bombeiro,

o atavismo azul do sacerdote,

mas não posso decifrar um gato.

Minha razão resvalou na sua indiferença,

os seus olhos têm números de ouro.

Tradução: Eliane Zagury

24/01/2011

Soneto LXXXIX


''Quero quando eu morra tuas mãos em meus olhos:

quero a luz, quero o trigo de tuas mãos amadas

passar uma vez mais sobre mim essa doçura:

sentir tua suavidade que mudou meu destino.

.


Quero que vivas enquanto adormecido,

espero que teus olhos sigam ouvindo o vento,

que sintas o perfume do mar que amamos juntos

e que sigas pisando a areia que pisamos.

.

Quero que o que amo siga vivo e

a ti amei e cantei sobre todas as coisas,

por isso segues florescendo, florida,

.

para que alcances tudo o que meu amor te ordena,

para que passeie minha sombra por teus cabelos,

para que assim conheçam a razão do meu canto''

.

Pablo Neruda

02/12/2010

Quero apenas...


Quero apenas cinco coisas...
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos
Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser… sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que continues me olhando.
 
Pablo Neruda

11/08/2010

Soneto XCV

Os que amaram como nós? Busquemos
as antigas cinzas do coração queimado
e ali que tombem um por um nossos beijos
até que ressuscite a flor desabitada.

Amemos o amor que consumiu seu fruto
e desceu à terra com rosto e poderio:
tu e eu somos a luz que continua,
sua inquebrantável espiga delicada.

Ao amor sepultado por tanto tempo frio,
por neve e primavera, por esquecimento e outono,
acerquemos a luz de uma nova maçã,

do frescor aberto por uma nova ferida,
como o amor antigo que caminha em silêncio
por uma eternidade de bocas enterradas.

Pablo Neruda



21/07/2010

Soneto XCVIII

E esta palavra, este papel escrito
pelas mil mãos de uma mão só,
não fica em ti, não serve para sonhos,
cai à terra: ali permanece.

Não importa que a luz ou a louvação
se derramem e saiam da taça
se foram um tenaz tremor do vinho
se tingiu tua boca de amaranto.

Não quer mais a sílaba tardia,
o que traz e retraz o arrecife
de minhas lembranças, a irritada espuma,

não quer mais senão escrever teu nome.
E ainda que o cale meu sombrio amor
mais tarde o dirá a primavera.

Pablo Neruda


14/07/2010

Soneto

No meio da terra afastarei
as esmeraldas para divisar-te
e tu estarás copiando as espigas
com tua pluma de água mensageira.

Que mundo! Que profundo perrexil!
Que nave navegando na doçura!
E tu talvez e eu talvez topázio!
Já divisão não haverá nos sinos!

Já não haverá senão todo o ar liberto,
as maçãs transportadas pelo vento,
o suculento livro na ramagem,

e ali onde respiram os cravos
fundaremos um traje que resista
de um beijo vitorioso a eternidade.

PabloNeruda
Cem sonetos de Amor, pag. 116

07/07/2010

Soneto XVII

Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio

ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva

dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,

e graças a teu amor vive escuro em meu corpo

o apertado aroma que ascender da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,

te amo directamente sem problemas nem orgulho:

assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

senão assim deste modo em que não sou nem és

tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha

tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.

Pablo Neruda

02/07/2010

Soneto II (Cem sonetos de Amor)

Amor, quantos caminhos até chegar a um beijo,
que solidão errante até tua companhia!
Seguem os trens sozinho rodando com a chuva.
Em Taltal não amanhece ainda a primavera.

Mas tu e eu, amor meu, estamos juntos,
juntos desde a roupa às raízes,
juntos de outono, de água, de quadris,
até ser só tu, só eu juntos.

Pensar que custou tantas pedras que leva o rio,
a desembocadura da água de Boroa,
pensar que separados por trens e nações

tu e eu tínhamos que simplesmente amar-nos,
com todos confundidos, com homens e mulheres,
com a terra que implanta e educa os cravos.

Pablo Neruda

21/06/2010

Soneto VIII


Se não fosse porque têm cor-de-lua teus olhos,
de dia com argila, com trabalho, com fogo,
e aprisionada tens a agilidade do ar,
se não fosse porque uma semana és de âmbar,

se não fosse porque és momento amarelo
em que o outono sobe pelas trepadeiras
e és ainda o pão que a lua fragrante
elabora passeando sua farinha pelo céu,

oh, bem-amada, eu não te amaria!
Em teu braço eu abraço o que existe,
a areia, o tempo, a árvore da chuva,

e tudo vive para que eu viva:
sem ir tão longe posso ver tudo:
vejo em tua vida todo o vivente.

Pablo Neruda

17/06/2010

Soneto V


"NÃO TE TOQUE a noite nem o ar nem a aurora,
só a terra, a virtude dos cachos,
as maçãs que crescem ouvindo a água pura,
o barro e as resinas de teu país fragrante.
 
Desde Quinchamalí onde fizeram teus olhos
aos teus pés criados para mim na Fronteira
és a greda escura que conheço:
em teus quadris toco de novo todo o trigo.
 
Talvez tu não saibas, araucana,
que quando antes de amar-te me esqueci de teus beijos
meu coração ficou recordando tua boca
 
e fui como um ferido pelas ruas
até que compreendi que havia encontrado
amor, meu território de beijos e vulcões."

(Pablo Neruda)

23/04/2010

Esperemos


Há outros dias que não têm chegado ainda,
que estão fazendo-se
como o pão ou as cadeiras ou o produto
das farmácias ou das oficinas



- há fábricas de dias que virão -
existem artesãos da alma
que levantam e pesam e preparam
certos dias amargos ou preciosos



que de repente chegam à porta
para premiar-nos
com uma laranja
ou assassinar-nos de imediato.


Pablo Neruda (Últimos Poemas)


18/04/2010

Soneto XXV







Antes de amar-te, amor, nada era meu
Vacilei pelas ruas e as coisas:
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.

 
E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se despediam,
Perguntas que insistiam na areia.

Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,

Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tua beleza e tua pobreza
De dádivas encheram o outono.

Pablo Neruda

10/03/2010

Se cada dia cai

Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.
Há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.

Pablo Neruda
(Últimos Poemas)

05/03/2010

Nos bosques

Nos bosques, perdido, cortei um ramo escuro



E aos lábios, sedento, levante seu sussurro:



era talvez a voz da chuva chorando,



um sino quebrado ou um coração partido.



Algo que de tão longe me parecia



oculto gravemente, coberto pela terra,



um grito ensurdecido por imensos outonos,



pela entreaberta e úmida treva das folhas.



Porem ali, despertando dos sonhos do bosque,



o ramo de avelã cantou sob minha boca



E seu odor errante subiu para o meu entendimento



como se, repentinamente, estivessem me procurando as raízes



que abandonei, a terra perdida com minha infância,



e parei ferido pelo aroma errante.







Não o quero, amada.



Para que nada nos prenda



para que não nos una nada.



Nem a palavra que perfumou tua boca



nem o que não disseram as palavras.



Nem a festa de amor que não tivemos



nem teus soluços junto à janela...



Pablo Neruda

23/02/2010

Mãos


Vês estas mãos?
Mediram a terra, separaram os minerais e os cereais,
fizeram a paz e a guerra, derrubaram as distâncias
de todos os mares e rios,
e, no entanto, quando te percorrem a ti,
pequena, grão de trigo, andorinha, não chegam para abarcar-te,
esforçadas alcançam as palomas gêmeas
que repousam ou voam no teu peito,
percorrem as distâncias de tuas pernas,
enrolam-se na luz da tua cintura.
Para mim és tesouro mais intenso de imensidão
que o mar e seus racimos
e és branca, és azul e extensa como a terra na vindima.
Nesse território, de teus pés à tua fronte,
andando, andando, andando, eu passarei a vida.
***
Pablo Neruda
Obra: Cândido Portinari

17/02/2010

Talvez


Talvez não ser,

é ser sem que tu sejas,

sem que vás cortando

o meio-dia com uma

flor azul,

sem que caminhes mais tarde

pela névoa e pelos tijolos,

sem essa luz que levas na mão

que, talvez, outros não verão dourada,

que talvez ninguém

soube que crescia

como a origem vermelha da rosa,

sem que sejas, enfim,

sem que viesses brusca, incitante

conhecer a minha vida,

rajada de roseira,

trigo do vento.


E desde então, sou porque tu és

e desde então és,

sou e somos...

E por amor

serei.. serás... seremos...

***

Pablo Neruda
Créditos da imagem:



09/02/2010

Soneto III


Áspero amor, violeta coroada de espinhos...

Arbusto entre tantas paixões erguidas,

Lança das dores, coroa da ira,

Por quais caminhos e como te dirigiu a minha alma?

Por que precipitaste teu fogo doloroso,

Repentinamente, entre as folhas frias do meu caminho?

Quem te ensinou os passos que te levaram a mim?

Que flor, que pedra, que fumaça mostraram minha casa?

A verdade é que tremeu a noite apavorante,

A aurora encheu todas as taças com seu vinho

E o sol estabeleceu sua presença celeste,

Enquanto o amor cruel me cercava sem trégua,

Até que padecendo-me com espadas e espinhos,

Abriu meu coração um caminho ardente.

........................

Pablo Neruda