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11/08/2017




Livro do meu amor, do teu amor,
Livro do nosso amor, do nosso peito...
Abre-lhe as folhas devagar, com jeito,
Como se fossem pétalas de flor.

Olha que eu outro já não sei compor
Mais santamente triste, mais perfeito.
Não esfolhes os lírios com que é feito
Que outros não tenho em meu jardim de dor!

Livro de mais ninguém! Só meu! Só teu!
Num sorriso tu dizes e digo eu:
Versos só nossos mas que lindos sois!

Ah! meu Amor! Mas quanta, quanta gente
Dirá, fechando o livro docemente:
"Versos só nossos, só de nós dois!"

(Florbela Espanca)

26/05/2015

Saudades


Saudades! Sim.. talvez.. e por que não?... 
Se o sonho foi tão alto e forte 
Que pensara vê-lo até à morte 
Deslumbrar-me de luz o coração! 

Esquecer! Para quê?... Ah, como é vão! 
Que tudo isso, Amor, nos não importe. 
Se ele deixou beleza que conforte 
Deve-nos ser sagrado como o pão. 

Quantas vezes, Amor, já te esqueci, 
Para mais doidamente me lembrar 
Mais decididamente me lembrar de ti! 

E quem dera que fosse sempre assim: 
Quanto menos quisesse recordar 
Mais saudade andasse presa a mim! 

Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade" 

10/05/2012

Fanatismo

Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão de meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

Tudo no mundo é frágil, tudo passa...
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, vivo de rastros:
"Ah!  Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!...

26/04/2011

Tortura


Tirar dentro do peito a emoção,
A lúcida verdade, o sentimento!
- E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso d'alto pensamento,
E puro como um ritmo d'oração!
- E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento!...

São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!

Florbela Espanca

15/04/2011

Maria das Quimeras

(Os Girassóis, Vincent Van Gogh, 1888)

"Maria das Quimeras me chamou alguém...
Pelos castelos que eu ergui
P'las flores d'oiro e azul que a sol teci
Numa tela de sonho que estalou.
.
Maria das Quimeras me ficou;
Com elas na minh'alma adormeci.
Mas, quando despertei, nem uma vi
Que da minh'alma, Alguém, tudo levou!
.
Maria das Quimeras, que fim deste
Às flores d'oiro e azul que a sol bordaste,
Aos sonhos tresloucados que fizeste?
.
Pelo mundo, na vida, o que é que esperas?...
Aonde estão os beijos que sonhaste,
Maria das Quimeras, sem quimeras?..."
.
Florbela Espanca

25/02/2011

Errante

Meu coração dos rubros vinhos
Rasga a mortalha do meu peito brando
E vai fugindo, e tonto vai andando
A perder-se nas brumas do caminho.

Meu coração, o místico profeta,
O paladino audaz da desventura,
Que sonha ser um santo e um poeta,
Vai procurar o Paço da Ventura...

Meu coração não chega lá decerto...
Não conhece o caminho nem o trilho,
Não há memória desse sítio incerto...

Eu tecerei uns sonhos irreais...
Como essa mãe que viu partir o filho,
Como esse filho que não voltou mais!

Florbela Espanca
in:
A mensageira das violetas.

17/12/2010

Alma Perdida



Toda esta noite o rouxinol chorou,

Gemeu, rezou, gritou perdidamente!

Alma de rouxinol, alma da gente,

Tu és, talvez, alguém que se finou!



Tu és, talvez, um sonho que passou,

Que se fundiu na Dor, suavemente…

Talvez sejas a alma, a alma doente

D’alguém que quis amar e nunca amou!



Toda a noite choraste… e eu chorei

Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei

Que ninguém é mais triste do que nós!



Contaste tanta coisa à noite calma,

Que eu pensei que tu eras a minh’alma

Que chorasse perdida em tua voz!…



Florbela Espanca - Livro de Mágoas

16/12/2010

Rústica




Eu q’ria ser camponesa;
Ir esperar-te à tardinha
Quando é doce a Natureza
No silêncio da devesa,
E só voltar à noitinha…

Levar o cântaro à fonte
Deixá-lo devagarinho,
E correndo pela ponte
Que fica detrás do monte
Ir encontrar-te sozinho…
 
E depois quando o luar
Andasse pelas estradas,
D’olhos cheios do teu olhar
Eu voltaria a sonhar,
P’los caminhos de mãos dadas.
 
E depois se toda a gente
Perguntasse: “Que encarnada,
Rapariga! Estás doente?”
Eu diria: “É do poente,
Que assim me fez encarnada!”

E fitando ao longe a ponte,
Com meu olhar cheio do teu,
Diria a sorrir pro monte:
“O cant’ro ficou na fonte
Mas os beijos trouxe-os eu…"


Florbela Espanca - O Livro D’Ele




26/10/2010

Perdi os meus fantásticos castelos

Perdi os meus fantásticos castelos
Como névoa distante que se esfuma...
Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los:
Quebrei as minhas lanças uma a uma!
Perdi minhas galeras entre os gelos
Que se afundaram sobre um mar de bruma...
- Tantos escolhos! Quem podia vê-los?-
Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma!
Perdi a minha taça, o meu anel,
A minha cota de aço, meu corcel,
Perdi meu elmo de ouro e pedrarias...
Sobem-me aos lábios súplicas estranhas...
Sobre o meu coração pesam montanhas...
Olho assombrada as minhas mãos vazias...

Floberla Espanca
in: A Mensageira das Violetas

20/10/2010

Realidade


Em ti o meu olhar fez-se alvorada

a minha voz fez-se gorgeio de ninho.

E a minha rubra boca apaixonada

Teve a frescura pálida do linho...

Embriagou-me o teu beijo como um vinho.

Fulgo de Espanha,em taça cinzelada...

E a minha cabeleireira desatada

Pôs a teus pés a sombra dum caminho...

Minhas pálpebras são de cor verbena,

Eu tenho os olhos garços, sou morena,

E para te encontrar foi que eu nasci...

Tens sido fora o meu desejo

E agora, que te falo, que te vejo,

Não sei se te encontrei.. Se te perdi...
***
Florbela Espanca

30/09/2010

FALO DE TI ÀS PEDRAS DAS ESTRADAS

FALO DE TI ÀS PEDRAS DAS ESTRADAS
 
Falo de ti às pedras das estradas,
E ao sol que e louro como o teu olhar,
Falo ao rio, que desdobra a faiscar,
Vestidos de princesas e de fadas;
Falo às gaivotas de asas desdobradas,
Lembrando lenços brancos a acenar,
E aos mastros que apunhalam o luar
Na solidão das noites consteladas;
Digo os anseios, os sonhos, os desejos
Donde a tua alma, tonta de vitória,
Levanta ao céu a torre dos meus beijos!
E os meus gritos de amor, cruzando o espaço,
Sobre os brocados fúlgidos da glória,
São astros que me tombam do regaço!

Florbela Espanca


18/09/2010

Impossível

IMPOSSÍVEL

Disseram-me hoje, assim, ao ver-me triste:

"Parece Sexta-feira da Paixão.

Sempre a cismar, cismar, d’olhos no chão,

Sempre a pensar na dor que não existe...

O que é que tem?! Tão nova e sempre triste!

Faça por ‘star contente! Pois então?!..."

Quando se sofre, o que se diz é vão...

Meu coração, tudo, calado ouviste...

Os meus males ninguém mos adivinha...

A minha dor não fala, anda sozinha...

Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera!...

Os males d’Anto toda a gente os sabe!

Os meus...ninguém... A minha dor não cabe

Nos cem milhões de versos que eu fizera!...

Florbela Espanca
In: A Mensageira das Violetas

15/09/2010

Tortura

TORTURA

Tirar dentro do peito a emoção,
A lúcida verdade, o sentimento!
- E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...
Sonhar um verso d’alto pensamento,
E puro como um ritmo d’oração!
- E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento!...
São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!
Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!
Florbela Espanca

14/09/2010

Desejos vãos

Desejos vãos





Eu queria ser o Mar de altivo porte

Que ri e canta, a vastidão imensa!

Eu queria ser a Pedra que não pensa,

A pedra do caminho, rude e forte!

Eu queria ser o Sol, a luz intensa,

O bem do que é humilde e não tem sorte!

Eu queria ser a árvore tosca e densa

Que ri do mundo vão e até da morte!

Mas o Mar também chora de tristeza…

As árvores também, como quem reza,

Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!

E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,

Tem lágrimas de sangue na agonia!

E as Pedras… essas… pisa-as toda a gente!…




Florbela Espanca - Livro de Mágoas

http://www.youtube.com/watch?v=FJQSh8oavis&feature=related

13/09/2010

Anseios

Anseios
(Florbela Espanca)







Meu doido coração aonde vais,

No teu imenso anseio de liberdade?

Toma cautela com a realidade;

Meu pobre coração olha que cais!

Deixa-te estar quietinho! Não amais

A doce quietação da soledade?

Tuas lindas quimeras irreais,

Não valem o prazer duma saudade!

Tu chamas ao meu seio, negra prisão!

Ai, vê lá bem, ó doido coração,

Não te deslumbres o brilho do luar!...

Não 'stendas tuas asas para o longe...

Deixa-te estar quietinho, triste monge,

Na paz da tua cela, a soluçar...

09/09/2010

FUMO (Florbela Espanca)


FUMO
.
Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!
Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas...
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!
Os dias são Outonos: choram...choram...
Há crisântemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos...
Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!...
Florbela Espanca
***

04/09/2010

Saudades

Saudades! Sim... talvez... e porque não?...
Se o nosso sonho foi tão alto e forte

Que bem pensara vê-lo até à morte

Deslumbrar-me de luz o coração!


Esquecer! Para quê?... Ah! como é vão!

Que tudo isso, Amor, nos não importe.

Se ele deixou beleza que conforte

Deve-nos ser sagrado como pão!


Quantas vezes, Amor, já te esqueci,

Para mais doidamente me lembrar,

Mais doidamente me lembrar de ti!


E quem dera que fosse sempre assim:

Quanto menos quisesse recordar

Mais a saudade andasse presa a mim!

Florbela Espanca

(1894-1930)

03/09/2010

Fanatismo

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão de meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!
Não vejo nada assim enlouquecida…
Passo no mundo, meu Amor, a ler

No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!
“Tudo no mundo é frágil, tudo passa…”
Quando me dizem isto, toda a graça

Duma boca divina fala em mim!
E, olhos postos em ti, vivo de rastros:
Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como deus: princípio e fim!…”

 



Florbela Espanca - Livro de Soror Saudade


01/09/2010

Mendiga


Na vida nada tenho e nada sou;
Eu ando a mendigar pelas estradas...
No silêncio das noites estreladas
Caminho, sem saber pra onde vou!

Tinha o manto do sol... quem mo roubou?!
Quem pisou minhas rosas desfolhadas?
Quem foi que sobre as ondas revoltadas
A minha taça de ouro espedaçou?

Agora vou andando e mendigando,
Sem que um olhar dos mundos infinitos
Veja passar o verme, rastejando...

Ah, quem me dera ser como os chacais
Uivando os brados, rouquejando os gritos
Na solidão dos ermos matagais!...

Florbela Espanca
in: A mensageira das violetas