13/10/2010

Sentimento do Mundo


Tenho apenas duas mãos


e o sentimento do mundo,


mas estou cheio de escravos,


minhas lembranças escorrem


e o corpo transige


na confluência do amor.



Quando me levantar, o céu


estará morto e saqueado,


eu mesmo estarei morto,


morto meu desejo, morto


o pântano sem acordes.



Os camaradas não disseram


que havia uma guerra


e era necessário


trazer fogo e alimento.


Sinto-me disperso,


anterior a fronteiras,


humildemente vos peço


que me perdoeis.



Quando os corpos passarem,


eu ficarei sozinho


desfiando a recordação


do sineiro, da viúva e do microscopista


que habitavam a barraca


e não foram encontrados


ao amanhecer



esse amanhecer


mais noite que a noite.

Carlos Drummond de Andrade

Nenhum comentário: