08/10/2010

Balada da Chuva

A tarde se embaça: - um pingo, outro pingo

respinga um respingo de encontro à vidraça;

um pingo, outro pingo, e a chuva aumentando

e eu nada distingo, - respinga um respingo

tinindo, cantando de encontro à vidraça.

A noite está baça e a chuva enervante

batendo, batendo, constante, cantante

de encontro à vidraça.

A terra se alaga, o céu se nevoa,

e a chuva é uma vaga fininha, descendo,

parece garoa!

parece fumaça!

- e as águas subindo e as poças subindo

e a chuva descendo e a chuva não passa!

O dia surgindo, manhã turva e baça.

A chuva fininha miudinha, miudinha,

parece farinha lá fora caindo,

através da vidraça.

A tarde está escura, a noite está baça,

e as brumas de um tédio,

de um tédio sem cura,

talvez sem remédio,

minha alma esfumaça:

- um dia, outro dia e os dias passando

em lenta agonia segunda a domingo;

um pingo, outro pingo, respinga um respingo,

batendo, cantando, mil dedos tocando

de encontro à vidraça...

- que chuva! que chuva!

e a chuva não passa!

Constante, cantante caindo distante

nas folhas molhadas,

nas poças paradas despidas e nuas,

e murmurejante rolando nas ruas;

- um pingo, outro pingo

na lata cantando goteira se abrindo

pingando, pingando

batendo, batendo

tinindo, tinindo,

 

parece um tinido, de taça com taça,

e a chuva chovendo

e a chuva não passa!

O vento nas folhas de leve perpassa,

e as gotas nos fios rolando, escorrendo

lá fora estou vendo através da vidraça,

- que dias sem alma!

- que noites sem graça!

e a chuva, que calma!

chovendo, chovendo

não passa! não passa!

A terra está envolta nas brumas de um véu,

de um véu de viúva que o dia escurece,

e a noite enfumaça.

- E' a chuva que chove, e do alto se solta

descendo, descendo, rolando, escorrendo

nos olhos do céu...

Nos olhos do céu e no olhar da vidraça!

- que chuva! que chuva! parece um dilúvio,

quem sabe? - parece que a chuva não passa! 

(Poema de J. G. de Araújo Jorge

do livro - Antologia Poética - 1978)





















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