11/06/2010

Viagem

Viagem


No perfume dos meus dedos,

há um gosto de sofrimento,

como o sangue dos segredos

no gume do pensamento.

Por onde é que vou?
 


Fechei as portas sozinha.

Custaram tanto a rodar!

Se chamasse, ninguém vinha.

Para que se há de chamar?

Que caminho estranho!
Eras coisa tão sem forma,




tão sem tempo, tão sem nada...

- arco-íris do meu dilúvio! -

que nem podias ser vista

nem quase mesmo pensada.

Ninguém mais caminha?

A noite bebeu-te as cores

para pintar as estrelas.

Desde então, que é dos meus olhos?

Voaram de mim para as nuvens,
com redes para prendê-las.

Quem te alcançará?

Dentro da noite mais densa,

navegarei sem rumores,

seguindo por onde fores

como um sonho que se pensa.

Para onde é que vou?

Cecília Meireles(1901-1964)

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