01/06/2010

Cadeira de Rodas



Tenho enganado o destino
e traído minha vida
deixando-me ficar – como estou –
nesta cadeira de rodas do meu tédio...

Quanta aventura, quanto sonho
frutificando em vão,
quanto amor à espera,
para ser colhido
e eu a morrer aos poucos
enraizado e esquecido. . .
Tantos que se vão, sem adeuses
sem nada,
apenas com o seu coração,
com a coragem de romper cabos
e amarras
pela simples alegria de partir. . .

Tantos que um dia se libertam afinal
sem olhar para trás
sem pensar em voltar,
e se perdem, e se encontram,
e renascem das cinzas do que foram
com as mãos cheias de frutos.
Oh! a coragem de partir para não morrer
emparedado!
- atirar-se ao mar, como aqueles velhos navegadores
que adivinhavam terras que ninguém sabia
e enfrentavam o mar - o monstro misterioso –
como loucos pigmeus . . .
Oh! a coragem de largar o velho porto onde o casco
se enche de algas e ferrugem,
nem que seja apenas
pelo prazer dos ventos livres
o balanço das vagas encapeladas
a expectativa de paisagens irreveladas.

A coragem de conquistar a vida que se esconde
atrás dos horizontes
que palpita e atrai como uma estrela fugidia,
e que chega, quente e viva, quando a colhemos
sazonada pela emoção da morte que amadureceu
em suas imprevisíveis searas.
Tenho enganado meu destino
deixando-me ficar
paralítico, sem remédio,
nesta cadeira de rodas do meu tédio . . .

(J. G. de Araujo Jorge -

" Harpa Submersa ", 1a ed. 1952 )

Nenhum comentário: