09/08/2010

Noivado

Noivado


Vês, querida, o horizonte ardendo em chamas?

Além desses outeiros

Vai descambando o sol, e à terra envia

Os raios derradeiros;

A tarde, como noiva que enrubesce,

Traz no rosto um véu mole e transparente;

No fundo azul a estrela do poente

Já tímida aparece.



Como um bafo suavíssimo da noite,

Vem sussurrando o vento

As árvores agita e imprime às folhas

O beijo sonolento.
A flor ajeita o cálix: cedo espera

O orvalho, e entanto exala o doce aroma;

Do leito do oriente a noite assoma

Como uma sombra austera.



Vem tu, agora, ó filha de meus sonhos,

Vem, minha flor querida;
Vem contemplar o céu, página santa
Que amor a ler convida;

Da tua solidão rompe as cadeias;

Desce do teu sombrio e mudo asilo;

Encontrarás aqui o amor tranqüilo...

Que esperas? que receias?


Olha o templo de Deus, pomposo e grande;
Lá do horizonte oposto

A lua, como lâmpada, já surge

A alumiar teu rosto;

Os círios vão arder no altar sagrado,

Estrelinhas do céu que um anjo acende;

Olha como de bálsamos rescende

A c’roa do noivado.


Irão buscar-te em meio do caminho

As minhas esperanças;

E voltarão contigo, entrelaçadas

Nas tuas longas tranças;

No entanto eu preparei teu leito à sombra

Do limoeiro em flor; colhi contente
Folhas com que alastrei o solo ardente

De verde e mole alfombra.


Pelas ondas do tempo arrebatados,

Até à morte iremos,

Soltos ao longo do baixel da vida

Os esquecidos remos.
Calmos, entre o fragor da tempestade,
Gozaremos o bem que amor encerra;
Passaremos assim do sol da terra

Ao sol da eternidade.



Machado de Assis,
in 'Falenas'

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