04/08/2010

Escrevo dentro da noite


" Escrevo Dentro da Noite"

Estou escrevendo para não gritar. Para não acordar

os que dormem felizes lado a lado,

os que repousam, aconchegados,

os que se encontram e continuam juntos

e não precisam sonhar
porque não dizem adeus...

Estou escrevendo para não gritar. Para enfunar o coração

ao largo.

E as palavras escorrem salgadas como um córrego de águas mortas

num silencioso pranto.

Tão perto, e nem percebes minha insônia. Nem ouves a confidência.

que põe nódoas no papel para não ter que acordar-te

e se transmuda em palavras, que são estátuas de sal.

Estou escrevendo para não gritar. Para não ter tempo

de acompanhar a noite,

para não perceber que estou só, irremediavelmente só,

e que te trago comigo

sem outra alternativa que o pensamento

- cela em que me debato a olhar a lua entre grades.

Estou escrevendo para não gritar. Para não perturbar

os que se amam,

se juntam, e se estreitam, e sussurram na sombra

e passeiam ao luar,

para que as palavras chovam num dilúvio, silenciosamente,

e me alaguem, e me afoguem, e me deixem pela noite a dentro

como um corpo sem vida e sem alma,

a flutuar...

( Poema de J. G. de Araujo Jorge -

do livro"A Sós..." 1a ed. 1958 )

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