16/11/2009

O pleno e o vazio


Oh se me lembro e quanto.
E se não me lembrasse?
Outra seria a minh'alma
bem diversa da minha face.

Oh como esqueço e quanto.
E se não esquecesse?
Seria homem-espanto,
perambulando sem cabeça.

Oh como me esqueço e lembro,
como lembro e esqueço
em correnteza iguais
e simultâneos enlaces.
Mas como posso, no fim,
recompor os meus disfarces?

Que caixa esquisita guarda
em mim sua névoa e cinza,
seu patrimônio de chamas,
enquanto a vida confere
seu limite, e cada hora
é uma hora devida
no balanço da memória
que chora e que ri, partida?

Carlos Drummond de Andrade
Corpo - Novos Poemas, 4ª ed, ps. 45/46

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