04/04/2010

As mulheres ocas

As mulheres ocas



Nós somos a inorgânicas

Frias estátuas de talco

Com hálito de champagne

E pernas de salto alto

Nossa pele fluorescente

É doce e refrigerada

E em nossa conversa ausente

Tudo não quer dizer nada.



Nós somos as longilíneas

Lentas madonas de boate

Iluminamos as pistas

Com nossos rostos de opala.

Vamos em câmara lenta

Sem sorrir demasiado

E olhamos como sem ver

Com nossos olhos cromados.



Nós somos as sonolentas

Monjas do tédio inconsútil

Em nosso escuro convento

A ordem manda ser fútil

Fomos alunas bilíngües

de "Sacre-Coeur" e "Sion"

Mas adorar, só adoramos

A imagem do deus Mamon.



Nós somos as grâ-funestas

Filhas do Ouro com a Miséria

O gênio nos enfastia

E a estupidez nos diverte.

Amamos a vida fria

E tudo o que nos espelha

Na asséptica companhia

Dos nossos machos-de-abelha.



Nós somos as bailarinas

Pressagas do cataclismo

Dançando a dança da moda

Na corda bamba do abismo.

Mas nada nos incomoda

De vez que há sempre quem paga

O luxo de entrar na roda

Em Arpels ou Balenciaga.



Nós somos as grâ-funestas

As onézimas letais*

Dormimos a nossa sesta

Em ataúdes de cristal

E só tiramos do rosto

Nossa máscara de cal

Para o drinque do sol posto

Com o cronista social.
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Vinicius de Moraes

Poesia completa e prosa

Organização: Alexei Bueno

Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar S.A
1998

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