09/12/2009

A voz pelo telefone

Voz amiga, que me acostumei a ouvir na noite, e que me falava do amor ainda possível na terra, das viagens para o desconhecido, das mãos unidas, dos olhos mergulhados nos olhos, das fugas, das solidões profundas.
Eu ouvia sempre a voz doce, velada, calma(que às vezes se entrecortava de um soluço e rasgava uma pausa dolorosa na conversa) e pensava que a vida não é afinal uma coisa absurda, porque dentro dela cabem palavras brandas, que acalantam as almas. E a voz continuava, murmúrio amigo, na longa noite mineira.
(Longe, homens matavam-se. Perto, outros homens atiravam-se palavras feias. O rádio funcionava. A vida funcionava. A voz perdia-se dentro da confusão, e era consoladora).
Tantas ruas reparando a nossa conversa. Bondes passando no meio, corpos se entrecruzando, homens tirando o chapéu. Os guardas. Funcionários e todas as repartições de todas as cidades. Detetives. Curiosos anônimos. Todos os homens que escutam atrás das portas, que veem através da porta. E a voz constante, alegre e tranquila, zombando de tudo, saltando de uma casa para outra e mantendo comigo o infinito, noturno diálogo.
Depois o silêncio.
Silêncio dentro e fora de nós, dissolvendo o mundo e suas criaturas sem sentido. Eu escutava esse silêncio casto. E dentro dele a voz ainda existia, mais tênue que um sopro, lembrança de voz, desenho, reflexo, sombra de voz, contando segredos. Que importa que os outros não ouçam? A voz é tênue, e os homens são surdos. Eu sozinho escutava, e tinha medo de que ela emigrasse para Passárgada, onde os ouvidos são sutilíssimos e as músicas mais especiosas andam no ar.
Mas nós estávamos em Minas Gerais, Brasil, país de caminhos fechados, país irremediável...
Carlos Drummond de Andrade

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