09/12/2009

Sonetos do amante


Sonetos do amante

III

Tudo que tenho a dar quando te entregas
a mim – é muito pouco. Já não basta
que os gestos guardem tantas ânsias cegas
de amar, de ser. Pois a memória arrasta
o rio do passado, que não regas,
que não regaste, com a água da vasta
fonte com que me embriagas; e se negas
ser a que fica em mim quando se afasta
da carne e da poesia: hora em que tento
outros mundos criar no pensamento,
contigo, além do tempo e da distância.
Não basta dar-te o canto como preço
do corpo junto ao meu, se ainda não desço
ao abismo onde o amor devolve a infância.

VI
Pudesse oferecer-te o que não tenho
numa palavra há muito tempo presa
nas grades do silêncio. E, donde venho
buscar-te com a minha natureza
de deus e de animal, trouxesse o lenho
que avivaria a sede sempre acesa
de aplacar tantas sedes que retenho
de ser mais do que sou, dar-te a beleza
do efêmero perdido, do que tive
de infância e de ternura, do que vive
em mim de quem mais quer e que te quer
- talvez sentisses mais que a carne pobre
que me eleva e revela, mas me cobre,
e sentisse eu em ti mais que a mulher.

VIII
Eternizar o amor que fora eterno
embora só vivesse dois instantes:
um quando ao céu me alçou – a um céu sem antes;
depois, ao acender em mim o inferno.
Banida do presente, em lago terno
voltes a me banhar e desencantes
o mar que clama em vão, de ondas cortantes
partindo do meu ser, banhando o eterno.
Eternizar o amor de um só momento
e quanto mais perdê-lo mais ganhá-lo.
E quanto mais ganhá-lo mais alento
trazer no que recordo e no que falo,
para que possa, em febre e em sentimento,
em mármore e em saudade, eternizá-lo.

Afonso Félix de Souza

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