31/07/2009

" Sobre a Esperança... "


" Sobre a Esperança... "
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Os olhos dele
dos olhos dela
um segundo que fosse, não se separavam,
como se quisessem acender as chamas que vacilavam
com a luz da própria Vida...
E a chama dos olhos dela, vacilantes, na noite
de vigília, sem dormida,
eram como as chamas no pavio das velas
quando o vento abre as janelas..."
.
J. G. de Araújo Jorge (" AMO ! " ,1ª edição, 1938 )
.
Quadro: A Estrela, Edgar Degas.

30/07/2009

SAUDADE ESTÉRIL



SAUDADE ESTÉRIL
A saudade comum, essa consiste
em nos rememorar cada momento,
um quer que seja, cujo afastamento
pungindo-nos o peito, o torna triste.
.
Outra saudade, todavia, existe
que nos agita. Vem do firmamento
que nos clarões do luar, e o pensamento,
por mais firme e tenaz, lhe não resiste.
.
É a saudade de ignotas primaveras,
é a saudade de quadros incriados,
é a saudade de coisas nunca tidas.
.
É a saudade infecunda das esferas,
onde os astros rolaram, conglobados,
desde as fundas idades escondidas.
.
Narciso da Costa Araújo(1877/1944)

24/07/2009

" A Vida "

I
"...Mudarás, todos mudam, e os espinhos
com surpresa verás por todo lado,
- são assim nesta vida os seus caminhos
desde que o homem no mundo tem andado...

Não hás de ser o eterno namorado
com as mãos e os lábios cheios de carinho,
- hoje, juntos os dois... tudo encantado!
- amanhã, tudo triste... os dois sozinhos!...

E sentindo o teu braço então vazio,
abatido verás que não resistes
à inclemência do tempo úmido e frio!

Rolarás por escarpas e barrancos:
sobre o epitáfio dos teus olhos tristes
trazendo a campa dos cabelos brancos!"

I I
" . . .Tem sido assim e assim será... Mais tarde
o que hoje pensas chamarás: - quimera!
E esse esplendor que nos teus olhos arde,
será a visão de extinta primavera...

Escondido à traição, como uma fera,
bem em silêncio, e sem fazer alarde,
o Destino que é mau e que é covarde,
naquela sombra adiante já te espera!

E num requinte de perversidade
faz de cada ilusão, de cada sonho,
a ruína de uma dor... e uma saudade...

E se voltares, notarás então
desesperado, ao teu olhar tristonho
que em vão sonhaste... e que viveste em vão!..."

I I I...
A vida é assim, segue e verás, - a vida
é um dia de esperança, um longo poente
de incertezas cruéis, e finalmente
a grande noite estranha e dolorida...

Hoje o sol, hoje a luz, hoje contente
a estrada a percorrer suave e florida...
- amanhã, pela sombra, inutilmente
outra sombra a vagar, triste e perdida...

A vida é assim, é um dia de esperança
uma réstia de luz entre dois ramos
que a noite envolve cedo, sem tardança...

E enquanto as sombras chegam,
nós, ao vê-las,ainda somos felizes e encontramos
a saudade infinita das estrelas!..."

IV"
...A vida é assim, uma ânsia... feito a vaga
que se ergue e rola a espumejar na areia,
- apor esse bem que a tua mão semeia
espera o mal que ainda terás por paga!

A essa hora boa que te agrada e enleia
sucede uma outra torturante e aziaga,
- a vida é assim... um canto de sereia
que à morte nos convida, e nos afaga...

O teu sonho melhor bem pouco dura,
e há sempre "um amanhã" cheio de dor
para "um hoje" nem sempre de ventura...

Toma entre as mãos o búzio da alegria
e surpreso verás que no interior
canta profunda e imensa nostalgia!..."

V
Isso tudo nos dizem, - entretanto
nós dois seguimos de braços dados,
creio que se tu sabes que te adoro tanto
do que ouviste talvez não tens receio...

A vida, - é o nosso amor, o nosso encanto!
Nem a podemos mais parar no meio...
Chorar? - bem sei que choras, mas teu pranto
é a alegria que canta no teu seio...

O mundo é bom e nós o cremos, basta!
E se um amor tão grande nos enleva
e pela vida unidos nos arrasta,

- que eu te abrace e te apoies sempre em mim,
e desafiando o mundo envolto em treva
sigamos juntos para um mesmo fim!

Poema de J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou", Vol. I)

" Chuva"

(Effect de neige a Vetheuil, Claude Monet)



" Chuva"

Há tanto tempo que não chove assim!

O dia veste um céu triste e cinzento,
e ouço a chuva a cair como um lamento
no seu rumor monótono... sem fim...

Que estranha sensação de isolamento!
-Nem uma voz ouço ao redor de mim,
escuto apenas lá por fora, o vento
a desfolhar as flores no jardim...

Ninguém ao meu redor... ninguém me fala...
- e me deixo a ficar num tédio imenso,
na tóxica penumbra desta sala...

Que inquietude vazia há dentro de mim!
-Não sei se existo... não sei bem se penso...

Há tanto tempo não chove assim!

J.G. de Araújo Jorge ("Bazar de Ritmos", 1ª edição, 1935)

23/07/2009

" Por Quê ? "

(Quadro: Casa Azul, de Frida Kahlo)
.
.


"Foi tudo uma surpresa, tudo de repente,


talvez nenhum de nós saiba explicar porque,


- você deixou de ser o que era antigamente


e o que era antigamente eu já não sou, se vê...





Eu era um seu amigo. E pra mim, você


por muito tempo foi a amiga e a confidente,


- deixei-a ler, assim como um cigano lê


nas mãos, toda a minha alma indiferentemente...





Por muito tempo, os dois, felizes, nos julgamos,


até que certo dia... (e eu não lhe disse nada


nem você disse nada) nós nos afastamos...





Hoje você me evita... Hoje evito a você...


E seguimos então, cada um por sua estrada


sem que nenhum de nós saiba explicar porque..."





J. G. de Araújo Jorge (" AMO ! ", 1a edição, 1938 )

21/07/2009

Bilhete




Se tu me amas, ama-me baixinho.

Não o grites de cima dos telhados.

Deixa em paz os passarinhos

Deixa em paz a mim!

Se me queres,enfim,

tem de ser bem devagarinho, Amada,

que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...


Mário Quintana

20/07/2009

Meu Destino.


Meu Destino.

Nas palmas de tuas mãos
leio as linhas da minha vida.
Linhas cruzadas, sinuosas,
interferindo no teu destino.
Não te procurei, não me procurastes
– íamos sozinhos por estradas diferentes.
Indiferentes, cruzamos.
Passavas com o fardo da vida...
Corri ao teu encontro.
Sorri. Falamos.
Esse dia foi marcado
com a pedra branca da cabeça de um peixe.
E, desde então, caminhamos
juntos pela vida...

Cora Coralina
Créditos da imagem: gettyimages.com

19/07/2009

De Longe Te Hei-de Amar


De longe te hei-de amar
- da tranquila distância
em que o amor é saudade
e o desejo, constância.

Do divino lugar
onde o bem da existência
é ser eternidade
e parecer ausência.

Quem precisa explicar
o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?

E, no fundo do mar,
a Estrela, sem violência,
cumpre a sua verdade,
alheia à transparência.

Cecília Meireles ("Canções")

18/07/2009

A Cabana


A Cabana, de William P. Young



Adoro ler. Sou viciada em livros desde meus oito anos, quando li "Viagem ao centro da terra", do Julio Verne, mas confesso que minhas escolhas nunca são comerciais, nem os livros da moda ou os que aparecem no topo de qualquer lista. Sou eclética, curiosa; gosto dos clássicos, gosto do Érico Veríssimo, do John Steinbeck, do Romain Rolland, do Philip Yancey, sou fã nº 1 do C.S. Lewis; gosto de poetas como Araújo Jorge, Cora Coralina, Cecília Meireles, Mario Quintana, Drummond, Florbela Espanca, Elizabeth Browning Barret e Manuel Bandeira...

Mas, depois de ver este livro tanto tempo em primeiro lugar em vendas, aqui e nos EUA, resolvi dar uma "chance". Comprei e li-o em menos de dois dias.

É um livro instigante, que quebra ideias preconcebidas e, acho eu, no meu modesto modo de pensar, por isso tem suscitado tantas críticas, prós e contras. Acabei de ler, ainda estou "digerindo" algumas partes, procurando na Bíblia respaldo para algumas novas ideias que o autor lança sobre quem é Deus (não é um velho de barba branca!), a Trindade (conceito não muito explícito na Bíblia), a Graça, o Perdão, a Reconciliação (a que não se segue necessariamente o perdão) e "otras cositas mas"...

Espero, aos poucos, entender melhor o que o autor quis transmitir, separar o joio do trigo...

"A incredulidade de alguns ateus está mais próxima do amor de Deus do que a fé fácil daqueles que, sem nunca tê-lo experimentado, penduram uma placa com o seu nome como se fosse uma fantasia infantil ou uma projeção do eu’". Simone Weil

17/07/2009

"Retrato"


"Retrato"


Eu não tinha este rosto de hoje,

assim calmo, assim triste, assim magro,

nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,

tão paradas e frias e mortas;

eu não tinha este coração que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança, tão simples,

tão certa, tão fácil:

Em que espelho ficou perdida a minha face?"



Imagem: gettyimages.com

16/07/2009

15/07/2009

" Noturno n.º 1 "


Pela madrugada o rádio põe em surdina
um fundo musical de filme
em meu desespero.
E a serenidade da noite, impassível,
com sua felicidade de luar e estrelas
me faz mal,parece afrontar meu desejo impossível
e ainda me torna mais triste, mais sentimental...
Você está em todas as formas do pensamento,
no pensamento que conforma todas as coisas...
Em vão tento fugir com a música, tento evadir-me com a noite,
em vão!
Você é a música, a noite, você é tudo!
É a própria forma e o conteúdo
Da minha solidão...
*
J.G. de Araújo Jorge (" A Sós..." ,1a ed. ,1958 )

14/07/2009

Estrelas...

"Noite Estrelada", de Vincent Van Gogh.
-
"As pessoas têm estrelas que não são as mesmas. Para uns, que viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de pequenas luzes. Para outros, os sábios, são problemas. Para o meu negociante, eram ouro. Mas todas essas estrelas se calam. Tu, porém, terás estrelas como ninguém...

Quero dizer: quando olhares o céu de noite, (porque habitarei uma delas e estarei rindo), então será como se todas as estrelas te rissem! E tu terás estrelas que sabem sorrir! Assim, tu te sentirás contente por me teres conhecido. Tu serás sempre meu amigo (basta olhar para o céu e estarei lá). Terás vontade de rir comigo. E abrirá, às vezes, a janela à toa, por gosto... e teus amigos ficarão espantados de ouvir-te rir olhando o céu. Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!"
(Antoine de Saint-Exupèry, O Pequeno Príncipe)

13/07/2009

"Nós"


"Nós
Tu és a força, eu a fragilidade.
Tu tens cérebro, e eu tenho coração...
A tua vida pautas na vontade,
e a minha vida toda é uma ilusão.
Tens a lei do trabalho e da igualdade,
exaltas tudo quanto é nobre e são,
e eu fiz a minha gloria da humildade
de viver sob o jugo dessa mão.
Tu tens o olhar dominador, profundo,
eu tenho o olhar mais triste que há no mundo,
cheio sempre das sombras do sol-por...
Eu e tu... Tão diversos! Mas, no entanto,
como é que nos queremos tanto e tanto
se eu sou tão fraca e tu tão forte, amor?”
*********************
GUSMÃO, Aracy Dantas de, in ARAÚJO JORGE, J. G. de. Os mais belos poemas que o amor inspirou. Poesia Brasileira. Vol. I. São Paulo: Theor S.A, 1963. 1ª edição.

Foto: Igreja de Brumado - BA.


12/07/2009

" Borboletas "


Aos casais... - ante a espessa ramaria

verde, e rendada ao sol deste verão

- livres, felizes, cheias de alegria

as borboletas pelos céus se vão...


Despreocupadas... pela floração

se perdem, numa inquieta correria...

- Onde foram?... e em que lugar estão?

Já não se vê o olhar que as perseguia...


Mas... de repente, voltam pelo espaço,

- trêmulas e amorosas de cansaço,

asas roxas e azuis coo violetas...


E invejoso pensei, vendo-as pelo ar:

- quem me dera nascer, viver e amar,

como aqueles casais de borboletas !


J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou"Vol. I - 1a edição 1965 )

11/07/2009

" Sem ti "

(Spiderman)
...

Sem ti

em meu enervamento

sou como um artista sem instrumento

- um pianista sem piano

- um marinheiro sem mar

ou sem navio,

um alcoólatra sem bebida...

um corpo a teimar que ainda pode viver

assim vazio,
sem vida...

***
(Poema de J.G. de Araújo Jorge, do livro" A Sós...")

10/07/2009

"ETERNO MOTIVO"



" Eterno Motivo "


Não me envergonho nunca de falar de amor !
............................................................................

Terá vergonha a fonte em murmúrios de festa,
águas claras rolando dentro da floresta de embalar a flor?
Terá vergonha o pássaro inquieto, sozinho,
de um dia cantar mais, (como todos cantamos...)
- e tecer com gravetos de palha
o seu ninho na altura dos ramos?
Terá vergonha a terra de acordar cheirosa
e inteirinha vibrar ao despontar do dia,
oferecendo ao sol sua boca macia naquela rosa?
Terá vergonha o mar de acariciar a areia
e oferecer-lhe conchas ao invés de anéis?
E dizer-lhe canções, em que todo se enleia aos seus pés?
Terá vergonha a noite, que de astros se encheu,
ao pôr o seu vestido imensamente
azul para um baile de luz,
de ostentar o presente que o tempo lhe deu
o "pendentif" em cruz do Cruzeiro do Sul?
...............................................................................
Por que razão, portanto,
- Ele, o predestinado, que nasceu
para amar com grandeza e esplendor
e trouxe um coração de poeta enamorado
há de sentir pudor?
Eu, por mim, sou feliz, porque amo e sou amado!
Nem me envergonho nunca de falar de amor!



Poema de J. G. de Araujo Jorge.

09/07/2009

Pavê de Chocolate Branco


Créditos: Revista Ana Maria, Editora Abril.

08/07/2009

Mandela – A Luta pela Liberdade (Goodbye Bafana, 2008)

A história de Nelson Mandela (Dennis Haybert) contada do ponto de vista de um guarda branco e racista, James Gregory (Joseph Fiennes) e sua esposa Gloria (Diane Kruger), na África do Sul do apartheid. Gregory foi designado para vigiar Mandela por falar Xhosa, agindo, assim, como espião do governo, mas depois de 20 anos guardando a cela de Mandela, sua vida é alterada. Dirigido pelo cineasta dinamarquês Billy August, foi baseado no livro de James Gregory.
Minha nota: ****

Pavê de Cookies


Créditos: Revista Ana Maria, Editora Abril.

07/07/2009

Pavê de Nutella

Créditos: Revista Ana Maria, Editora Abril.

06/07/2009

Leões e Cordeiros (Lions for Lambs , EUA, 2007)


O carismático senador Jasper Irving (Tom Cruise) pretende lançar sua nova "estratégia completa" para a guerra dos Estados Unidos no Afeganistão e, para divulgá-la, precisa convencer a experiente jornalista Janine Roth (Meryl Streep).
Ao mesmo tempo, o dr. Stephen Malley (Robert Redford), um professor idealista da Califórnia, tenta convencer Todd (Andrew Garfield), um de seus alunos mais promissores, a mudar o curso de sua vida. Enquanto isso, Ernest (Michael Peña) e Arian (Derek Luke), ex-alunos do professor, são soldados que estão lutando nas montanhas geladas do Afeganistão, e que se alistaram no exército americano em busca de um sentido para suas vidas. Direção de Robert Redford. Censura: 12 anos.
Minha nota: ****

05/07/2009

" Tuas Mãos "




Mãos frágeis, mãos divinas, mãos pequenas,

leves, espirituais e perfumadas,

cujas unhas são pérolas morenas

nos escrínios dos dedos engastadas.




Mãos que são duas sílabas amenas

no poema dos teus braços enfeixadas;

que, estando acima das visões terrenas,

jamais serão por outras igualadas.




Mãos que ostentam, nas formas delicadas

todo o enc anto das noites enluaradas

na linda terra que te viu nascer...




E para eu ser feliz basta somentes

beijar t eus dedos demoradamente

e sob o afago dessas mãos morrer!

.




Abílio de Carvalho (Vitória, ES - 22/02/1916/Rio de Janeiro - 08/10/1977).

04/07/2009



Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade
Corpo - Novos peomas, 4ª ed., p. 25

Pavê de abacaxi com côco


Créditos: Revista Ana Maria, Editora Abril.

03/07/2009

" Soneto Ao Nosso Encontro "

" Soneto Ao Nosso Encontro "

Desenrolam-se as curvas do caminho
à proporção que aos poucos avançamos...
Um dia, - e eu vinha então triste e sozinho,
- um dia, - vinhas só... nos encontramos...


Desde esse dia, juntos, simulamos
duas asas de um mesmo passarinho,
- nesse destino que entrançou dois ramos
que dão a mesma flor... e o mesmo espinho...


Depois de tantas curvas já vencidas
que sejamos ao fim de nossas vidas
na perfeição do amor que nos conduz,


- como a folhagem que um só ninho esconde,
ou dois galhos que vêm da mesma fronde
para juntos morrer na mesma cruz !


( Poema de J. G. de Araújo Jorge - do livroEterno Motivo; - Prêmio Raul de Leoni,da Academia Carioca de Letras - 1943 )

01/07/2009

" Carta A Um amor Impossível "


" Carta A Um amor Impossível "


Recebi tua carta, - e ainda sob o peso

da emoção que me trouxe, eu te escrevo, surpreso,

reavivando na minha lembrança esquecida

certos traços sem cor de uma história perdida:

- falo dos poucos dias que passamos juntos...


Tão longe agora estás, quantos belos assuntos,

a que eu não quis, nem soube mesmo dar valor,

relembras com um estranho e desvelado amor...

Tua carta é tão doce, e tão cheia de cores

que, dir-se-ia a escreveste com o mel que há nas flores,

sobre o azul de um papel tão azul, que o papel

faz a gente pensar num pedaço de céu!

Impregnado nas folhas chegou até mim,

um perfume sutil e agreste de jasmim

e um pouco do ar sadio e puro de montanha!

Estranha a tua carta, inesperada e estranha!


Deixas nas minhas mãos a tua alma confiante,

ante a revelação desse amor deslumbrante

e abres teu coração, num gesto de ansiedade,

sob a opressão cruel de uma imensa saudade.

Dizes que só por mim tu vives, - que a tristeza

é a companheira fiel que tens por toda parte,

e me falas assim com tamanha franqueza

que eu nem sei que dizer receando magoar-te!

Não compreendo esse amor que revelas por mim

nem mereço a ternura e o enlevo sem fim

de um só trecho sequer de tudo o que escreveste,

- por exemplo, - de um trecho belo e bom, como este:

........................................................


"Teu olhar é o meu sol! Vivo da sua luz!

- e mesmo que esse amor seja como uma cruz

eu o levarei comigo em meu itinerário!

e o bendirei na dor ascendendo ao Calvário!

Sem ele não existo; e sem ti, meu destino

será vazio, assim como o bronze de um sino

que ficou mutilado e emudeceu seus sons

na orquestra matinal dos outros carrilhões!

Quero ser tua sombra até,

- e quando tudote abandonar na vida, e o frio, e quedo, e mudo,

encerrarem teu corpo em paz sob um lajedo,

eu ficarei contigo ao teu lado, sem medo,

e sozinha e sem medo eu descerei contigo

oh! meu único amor! oh! meu querido amigo!

- para que os nossos corpos juntos, abraçados,

fiquem na mesma terra em terra transformados!"


Tua carta é uma frase inteira de ternura,

como uma renda fina, cuja tessitura

trai a mão delicada e a alma de quem a fez.

Ela é bem a expressão da mulher, que uma vez...

(mas não, não recordemos estas cousas mais,

- para o teu bem, deixemos o passado em paz

se o não posso trazer num augúrio feliz

para a prolongação de um sonho que eu desfiz...)

Tua carta é o reflexo da tua beleza,

e há no seu ofertório a singela pureza

desse amor que te empolga e te invade e domina!

(Uma alma de mulher num corpo de menina!)

Reli-a muito, a sós... - mais adiante tu dizes,

com esse místico dom das criaturas felizes:


"Amo, para a alegria suprema e indizível

de humilhar-me aos teus pés tanto quanto possível,

e viverei feliz, como a poeira da estrada

se erguer-me ao teu passar, numa nuvem dourada

cheia de sol e luz, - nessa glória fugaz

de acompanhar-te os passos aonde quer que vás!

Não importa que eu role depois no caminho,

não importa que eu fique abandonada e só,

- quem nasceu para espinho há de ser sempre espinho!...

- quem nasceu para pó, há de sempre ser pó!"


( Poema de J. G. de Araújo Jorge , do livroEterno Motivo, Prêmio Raul de Leoni, da Academia Carioca de Letras - 1943 )