08/02/2010

Amar



Amar

.
Que pode uma criatura senão,

entre criaturas, amar?

amar e esquecer,

amar e malamar, amar,

desamar, amar?

Sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,

sozinho, em rotação universal, senão

rodar também, e amar?

amar o que o mar traz à praia,

o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,

é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,

o que é entrega ou adoração expectante,

e amar o inóspito, o áspero,

um vaso sem flor, um chão de ferro,

e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave

de rapina. Este o nosso destino: amor sem conta,

distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,

doação ilimitada a uma completa ingratidão,

e na concha vazia do amor a procura medrosa,

paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura

nossa

amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede

infinita.


Carlos Drummond de Andrade

Imagem: Tarde de Chuva - Liz Guides

Nenhum comentário: