30/09/2010

FALO DE TI ÀS PEDRAS DAS ESTRADAS

FALO DE TI ÀS PEDRAS DAS ESTRADAS
 
Falo de ti às pedras das estradas,
E ao sol que e louro como o teu olhar,
Falo ao rio, que desdobra a faiscar,
Vestidos de princesas e de fadas;
Falo às gaivotas de asas desdobradas,
Lembrando lenços brancos a acenar,
E aos mastros que apunhalam o luar
Na solidão das noites consteladas;
Digo os anseios, os sonhos, os desejos
Donde a tua alma, tonta de vitória,
Levanta ao céu a torre dos meus beijos!
E os meus gritos de amor, cruzando o espaço,
Sobre os brocados fúlgidos da glória,
São astros que me tombam do regaço!

Florbela Espanca


29/09/2010

Assombros

Às vezes, pequenos grandes terremotos

ocorrem do lado esquerdo do meu peito.

Fora, não se dão conta os desatentos.

Entre a aorta e a omoplata rolam

alquebrados sentimentos.

Entre as vértebras e as costelas

há vários esmagamentos.

Os mais íntimos

já me viram remexendo escombros.

Em mim há algo imóvel e soterrado

em permanente assombro.


Affonso Romano de Sant'Ana

(Em "Lado Esquerdo do Meu Peito")

28/09/2010

" Está Cheio de Ti meu Coração..."

 


Está cheio de ti meu coração

como a noite de estrelas está cheia,

tão cheia, que ao se olhar para a amplidão

o olhar de luz se inunda e se incendeia...


Está cheio de ti meu coração

como de ondas o mar que o dorso alteia,

como a praia que estende sobre o chão

milhões de grãos do seu lençol de areia...


Está cheio de ti meu coração,

como uma taça, erguida, transbordante,

num momento de amor e de emoção,


- como o meu canto enquanto eu viva e eu cante

como o meu pensamento a todo instante

está cheio de ti meu coração !

***

J. G. de Araujo Jorge (coletânea -



"Meus Sonetos de Amor " - 1a edição1961 )

27/09/2010

APARIÇÃO AMOROSA



Doce fantasma, por que me visitas

como em outros tempos nossos corpos se visitavam?

Tua transparência roça-me a pele, convida

a refazermos carícias impraticáveis: ninguém nunca

um beijo recebeu de rosto consumido.


Mas insistes, doçura. Ouço-te a voz,

mesma voz, mesmo timbre,

mesmas leves sílabas,

e aquele mesmo longo arquejo

em que te esvaías de prazer,

e nosso final descanso de camurça.

Então, convicto,

ouço teu nome, única parte de ti que não se dissolve

e continua existindo, puro som.

Aperto... o quê? a massa de ar em que te converteste

e beijo, beijo intensamente o nada.

Amado ser destruído, por que voltas
e és tão real assim tão ilusório?

Já nem distingo mais se és sombra

ou sombra sempre foste, e nossa história

invenção de livro soletrado

sob pestanas sonolentas.

Terei um dia conhecido

teu vero corpo como hoje o sei

de enlaçar o vapor como se enlaça

uma idéia platônica no espaço?



O desejo perdura em ti que já não és,
querida ausente, a perseguir-me, suave?

Nunca pensei que os mortos

o mesmo ardor tivessem de outros dias

e no-lo transmitissem com chupadas

de fogo aceso e gelo matizados.


Tua visita ardente me consola.

Tua visita ardente me desola.

Tua visita, apenas uma esmola.

Carlos Drummond de Andrade

26/09/2010

" Última Página "






Todo este grande amor que nasceu em segredo,

e cresceu e floriu na humildade mais pura,

teve o encanto pueril desses contos de enredo

quase ingênuo, onde a graça ao candor se mistura.

Entrou nos nossos corações como a brancura

de uma réstia de luar numa alcova entra a medo.

Nunca teve esse fogo intenso de loucura,

que há em todo amor que nasce tarde e morre cedo.

E quando ele aflorou tímido e pequenino,

como uma estrela azul no meu, no teu destino,

não sei que estranha voz ao coração me disse,

que este amor suave e bom, de pureza e lealdade,

sendo o primeiro amor da tua meninice,

era o último amor da minha mocidade.
*

Alceu de Freitas Wamosy



1895 - Uruguaiana RS - 14 de fevereiro



1923 - Livramento, RS - 13 de setembro

25/09/2010

O Amor

O amor nos abala e nos embala

O amor nos consome e nos nutre

O amor nos enlouquece e embriaga

Com seu vinho e seu delírio

O amor nos desfolha e nos transporta

O amor nos desnuda e nos veste

O amor nos dissolve e nos envolve

Com seu fogo e seu vento.

O amor nos ascende

E nos transcende

O amor nos sepulta e ressuscita

Com suas asas e sua magia

O amor nos indaga e nos responde

O amor nos vence e nos abraça

O amor nos absolve e nos consagra

com seu mistério e sua prece.

(Frei Clemente de Keissemeir)

24/09/2010

De quem é o olhar


De quem é o olhar
Que espreita por meus olhos?
Quando penso que vejo,
Quem continua vendo
Enquanto estou pensando?
Por que caminhos seguem,
Não os meus tristes passos,
Mas a realidade
De eu ter passos comigo?
Às vezes, na penumbra
Do meu quarto, quando eu
Por mim próprio mesmo
Em alma mal existo,
Toma um outro sentido
Em mim o Universo -
É uma nódoa esbatida
De eu ser consciente sobre
Minha idéia das coisas.
Se acenderem as velas
E não houver apenas
A vaga luz de fora -
Não sei que candeeiro
Aceso onde na rua -
Terei foscos desejos
De nunca haver mais nada
No Universo e na Vida
De que o obscuro momento
Que é minha vida agora!
Um momento afluente
Dum rio sempre a ir
Esquecer-se de ser,
Espaço misterioso
Entre espaços desertos
Cujo sentido é nulo
E sem ser nada a nada.
E assim a hora passa
Metafisicamente.

Fernando Pessoa

23/09/2010

Baú de Guardados

Trago, fechado no peito,
um baú de guardados.
Jóias, gemas e pérolas
que podem
ofuscar meus olhos.
Pedras, perdas, penas
que conseguem
represar meu rio.
Mas basta um som de flauta,
um dedilhar de piano,
o acorde de um violão,
o cristal de uma voz
e todas as comportas
se abrem
e me descobrem
levando de roldão
tudo que cabe
nesse cofre desvendado,
o coração.
Jóias, gemas, pérolas,
pedras, perdas, penas.
Brilhos que se confundem
no que sou.
Rolam nas águas e me levam
para perto, bem mais perto
de onde estou.

Alice Ruiz

22/09/2010

" Soneto Anônimo "







Vem de longe este amor. Me nasceu um dia,

em que, no teu olhar, pousando o olhar tristonho

vi, entre o ouro do teu, que harmoniosa subia,

a estranha procissão das estrelas do Sonho.

Desde então foi assim, de porfia em porfia,

eu, buscando esconder num presságio risonho,

tudo quanto em tua alma em livro aberto eu lia,

tudo quanto em minha alma, ora morrer, suponho.

Mas em vão. Ele surge intempestivamente

ao clarão de teu nome, iluminando um poema

de uma página morta, em que o enredo se trunca.

E volta a florescer, em primavera ardente,

tão vivo, tão real, bradando em voz suprema,

que este é o amor imortal que não se esquece nunca!

**
Amélia Tomas

21/09/2010

" Desolação "



Na profunda tristeza deste instante,

em que o irremediável

abalou a minha sorte,

na certeza de que te ausentaste definitivamente,

- eu pensei pela primeira vez na morte ...


Tudo desapareceu aos meus olhos atônitos

e eu me senti sozinho...

- já não há finalidade na minha criação

nem desejo na minha vida...
 


Só não abro em meu peito o coração, e o ponho na lapela

como rubra papoula em flor,

- porque sei que ainda te encontras dentro dele,

e nem mesmo a tua lembrança eu ousaria ferir

oh! meu amor!

***

J.G. de Araújo Jorge

20/09/2010

Saudade

É um murmúrio de vozes...

Um riacho cantante...

Um misto de luzes...

Janela à dentro

Um hálito perfumado de flores

A lua banhando a terra

Surge clareando as trevas de um coração...

Aos poucos surge uma brisa

Fria e dolente que envolve meu ser.

É saudade que vem...

Saudade de um tudo que tenho,

Saudade de um tudo que não vejo.

Saudade, querida, és companheira e amiga,

És lenitivo de todas as mágoas,

És, enfim, saudade.”
 
(Autor desconhecido).

19/09/2010

Saudação da Saudade


Minha saudade

saúda tua ida

mesmo sabendo

que uma vinda

só é possível

noutra vida.

Aqui, no reino

do escuro

e do silêncio

minha saudade

absurda e muda

procura às cegas

te trazer à luz.

Ali, onde

nem mesmo você

sabe mais

talvez, enfim

nos espere

o esquecimento.

Aí, ainda assim

minha saudade

te saúda

e se despede

de mim.



Alice Ruiz

18/09/2010

Impossível

IMPOSSÍVEL

Disseram-me hoje, assim, ao ver-me triste:

"Parece Sexta-feira da Paixão.

Sempre a cismar, cismar, d’olhos no chão,

Sempre a pensar na dor que não existe...

O que é que tem?! Tão nova e sempre triste!

Faça por ‘star contente! Pois então?!..."

Quando se sofre, o que se diz é vão...

Meu coração, tudo, calado ouviste...

Os meus males ninguém mos adivinha...

A minha dor não fala, anda sozinha...

Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera!...

Os males d’Anto toda a gente os sabe!

Os meus...ninguém... A minha dor não cabe

Nos cem milhões de versos que eu fizera!...

Florbela Espanca
In: A Mensageira das Violetas

17/09/2010

Fio

NO FIO da respiração,
rola a minha vida monótona,

rola o peso do meu coração.

Tu não vês o jogo perdendo-se

como as palavras de uma canção.

Passas longe, entre nuvens rápidas,

com tantas estrelas na mão...

-- para que serve o fio trêmulo

em que rola o meu coração?

Cecília Meireles

16/09/2010

Sonhar

Sonhar é transportar-se em asas de ouro e aço
Aos páramos azuis da luz e da harmonia;

É ambicionar o céu; é dominar o espaço,

Num voo poderoso e audaz da fantasia.

Fugir ao mundo vil, tão vil que, sem cansaço,

Engana, e menospreza, e zomba, e calunia;

Encastelar-se, enfim, no deslumbrante paço

De um sonho puro e bom, de paz e de alegria.

É ver no lago um mar, nas nuvens um castelo,

Na luz de um pirilampo um sol pequeno e belo;

É alçar, constantemente, o olhar ao céu profundo.

Sonhar é ter um grande ideal na inglória lida:

Tão grande que não cabe inteiro nesta vida,

Tão puro que não vive em plagas deste mundo.
Helena Kolody

15/09/2010

Tortura

TORTURA

Tirar dentro do peito a emoção,
A lúcida verdade, o sentimento!
- E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...
Sonhar um verso d’alto pensamento,
E puro como um ritmo d’oração!
- E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento!...
São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!
Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!
Florbela Espanca

14/09/2010

Desejos vãos

Desejos vãos





Eu queria ser o Mar de altivo porte

Que ri e canta, a vastidão imensa!

Eu queria ser a Pedra que não pensa,

A pedra do caminho, rude e forte!

Eu queria ser o Sol, a luz intensa,

O bem do que é humilde e não tem sorte!

Eu queria ser a árvore tosca e densa

Que ri do mundo vão e até da morte!

Mas o Mar também chora de tristeza…

As árvores também, como quem reza,

Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!

E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,

Tem lágrimas de sangue na agonia!

E as Pedras… essas… pisa-as toda a gente!…




Florbela Espanca - Livro de Mágoas

http://www.youtube.com/watch?v=FJQSh8oavis&feature=related

13/09/2010

Anseios

Anseios
(Florbela Espanca)







Meu doido coração aonde vais,

No teu imenso anseio de liberdade?

Toma cautela com a realidade;

Meu pobre coração olha que cais!

Deixa-te estar quietinho! Não amais

A doce quietação da soledade?

Tuas lindas quimeras irreais,

Não valem o prazer duma saudade!

Tu chamas ao meu seio, negra prisão!

Ai, vê lá bem, ó doido coração,

Não te deslumbres o brilho do luar!...

Não 'stendas tuas asas para o longe...

Deixa-te estar quietinho, triste monge,

Na paz da tua cela, a soluçar...

12/09/2010

Como às vezes num dia azul e manso

Como às vezes num dia azul e manso
No vivo verde da planície calma
Duma súbita nuvem o avanço
Palidamente as ervas escurece
Assim agora em minha pávida alma
Que súbito se evola e arrefece
A memória dos mortos aparece...

Fernando Pessoa

11/09/2010

Repouso

Repouso

Dá-me tua mão

E eu te levarei aos campos musicados pela

canção das colheitas.

Cheguemos antes que os pássaros nos disputem

os frutos,

Antes que os insetos se alimentem das folhas

entreabertas.

Dá-me tua mão

E eu te levarei a gozar a alegria do solo

agradecido,

Te darei por leito a terra amiga

E repousarei tua cabeça envelhecida

Na relva silenciosa dos campos.

Nada te perguntarei,

Apenas ouvirás o cantar das águas adolescentes

E as palavras do meu olhar sobre tua face muito

amada.



Adalgiza Nery
in

 As Fronteiras da Quarta Dimensão (1951)

(ao mui e eterno amado)

10/09/2010

DO AMOROSO ESQUECIMENTO


DO AMOROSO ESQUECIMENTO


Eu agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?
 
Mario Quintana,
in: Espelho Mágico

09/09/2010

FUMO (Florbela Espanca)


FUMO
.
Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!
Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas...
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!
Os dias são Outonos: choram...choram...
Há crisântemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos...
Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!...
Florbela Espanca
***

08/09/2010

Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
Cecília Meireles

http://www.youtube.com/watch?v=yJqrQk9Ol48&feature=related

07/09/2010

Canteiros

CANTEIROS



"Quando penso em você fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa, menos a felicidade
Correm os meus dedos longos em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego já me traz contentamento
Pode ser até amanhã, cedo claro feito dia
mas nada do que me dizem me faz sentir alegria
Eu só queria ter no mato um gosto de framboesa
Para correr entre os canteiros e esconder minha tristeza
Que eu ainda sou bem moço para tanta tristeza
E deixemos de coisa, cuidemos da vida,
Pois se não chega a morte ou coisa parecida
E nos arrasta moço, sem ter visto a vida."

Cecília Meireles


Música: Fagner sobre os versos de Cecília Meireles
http://www.youtube.com/watch?v=yxWbSk7yGO0&feature=related

06/09/2010

Canção com parêntesis




Meu coração que voava
Ficou surpreso
A boca se fechou, a música
Descaiu num tom menor
Meu corpo que retornava
Ao que nunca tinha sido
(senão em nostalgia)
retoma o que sempre fingiu ser.



Ficamos à espera, minha vida e eu
(sem amargura mas desconcertadas)
de que apagues os parêntesis
e voltes, e te permitas
as ternuras, o encanto, as surpresas
que iluminava (como os meus)
teus próprios dias.

Lya Luft

05/09/2010

"Lembrança "


Bom tempo o que ficou - amei-te na alegria

de uma tarde azulada e linda de setembro,

- disso tudo, hoje, triste, eu muita vez me lembro

enquanto uma saudade o peito meu crucia...

Amei-te, como nunca outro alguém te amaria,

eras o meu sonhar de janeiro a dezembro...

Depois... Tu me deixaste, e ainda hoje se relembro,

amargo a mesma dor cruel daquele dia. . .
 


Agora, em solidão - sou um corpo sem alma -,

e indiferente a tudo vou chegando ao fim

como a tarde que cai bem suavemente em calma.

Já não sinto... não sofro... já nem vivo até.

- Se a vida ainda era vida ao ter-te junto a mim,

hoje, longe de ti, nem vida ao menos é!
***
J. G. de Araújo Jorge