31/08/2009

O Poço


Cais,

às vezes, afundas

em teu fosso de silêncio,

em teu abismo de orgulhosa cólera,

e mal consegues

voltar, trazendo restos

do que achaste

pelas profunduras da tua existência.

Meu amor, o que encontras

em teu poço fechado?
Algas, pântanos, rochas?

O que vês, de olhos cegos,

rancorosa e ferida?

Não acharás, amor,

no poço em que cais

o que na altura guardo para ti:

um ramo de jasmins todo orvalhado,

um beijo mais profundo que esse abismo.

Não me temas, não caias

de novo em teu rancor.

Sacode a minha palavra que te veio ferir

e deixa que ela voe pela janela aberta.

Ela voltará a ferir-me

sem que tu a dirijas,

porque foi carregada com um instante duro

e esse instante será desarmado em meu peito.

Radiosa me sorris

e minha boca fere.

Não sou um pastor doce

como em contos de fadas,

mas um lenhador que comparte contigo

terras, vento e espinhos das montanhas.

Dá-me amor, me sorri

e me ajuda a ser bom.

Não te firas em mim, seria inútil,

não me firas a mim porque te feres.

***

Pablo Neruda

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