27/04/2011

Amores

"O Céu pode nos dar um conforto celestial - e nenhum outro. E a Terra não pode nos dar conforto terreno algum... Nós fomos feitos para Deus. [...] Quando virmos a face de Deus, nós vamos saber que sempre soubemos. ELE participou de todas as nossas experiências de amor inocente na Terra - ELE as criou, manteve e moveu interiormente cada instante. Tudo que havia de amor verdadeiro nelas sempre foi, mesmo na Terra, bem mais dEle que nosso, e nosso apenas porque dEle. No Céu não haverá dor ou dever de abandonar nossos Amados terrenos. Primeiro, porque já os teremos abandonado, trocado os retratos pelo Original, os riachos pela Fonte, as criaturas que Ele tornou amáveis pelo Amor Absoluto. Segundo, porque encontraremos todos eles Nele. Amando a ELE mais que que a eles (nossos amados), nós os amaremos mais do que amamos hoje. [...] Aqui embaixo tudo é perda e renúncia."
(C. S. Lewis, Os quatro amores, Ed. Martins Fontes)

26/04/2011

Tortura


Tirar dentro do peito a emoção,
A lúcida verdade, o sentimento!
- E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso d'alto pensamento,
E puro como um ritmo d'oração!
- E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento!...

São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!

Florbela Espanca

21/04/2011

Aqui eu te amo.


Aqui eu te amo.
Nos escuros pinheiros se desenlaça o vento.
Fosforece a lua sobre as águas errantes.
Andam dias iguais a perseguir-se.
Descinge-se a névoa em dançantes figuras.
Uma gaivota de prata se desprende do ocaso.
Às vezes uma vela. Altas, altas, estrelas.
Ou a cruz negra de um barco.
Só.
Às vezes amanheço, e minha alma está úmida.
Soa, ressoa o mar distante.
Isto é um porto.
Aqui eu te amo.
Aqui eu te amo e em vão te oculta o horizonte.
Estou a amar-te ainda entre estas frias coisas.
Às vezes vão meus beijos nesses barcos solenes,
que correm pelo mar rumo a onde não chegam.
Já me creio esquecido como estas velha âncoras.
São mais tristes os portos ao atracar da tarde.
Cansa-se minha vida inutilmente faminta.
Eu amo o que não tenho. E tu estás tão distante.
Meu tédio mede forças com os lentos crepúsculos.
Mas a noite enche e começa a cantar-me.
A lua faz girar sua arruela de sonho.
Olham-me com teus olhos as estrelas maiores.
E como eu te amo, os pinheiros no vento,
querem cantar o teu nome, com suas folhas de cobre.

***
Pablo Neruda

18/04/2011

Aninha e suas pedras


Não te deixes destruir...

Ajuntando novas pedras

e construindo novos poemas.

Recria tua vida, sempre, sempre.

Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.

Faz de tua vida mesquinha

um poema.E viverás no coração dos jovens

e na memória das gerações que hão de vir.

Esta fonte é para uso de todos os sedentos.

Toma a tua parte.Vem a estas páginas

e não entraves seu uso

aos que têm sede.


Cora Coralina (Outubro, 1981)
 






























15/04/2011

Maria das Quimeras

(Os Girassóis, Vincent Van Gogh, 1888)

"Maria das Quimeras me chamou alguém...
Pelos castelos que eu ergui
P'las flores d'oiro e azul que a sol teci
Numa tela de sonho que estalou.
.
Maria das Quimeras me ficou;
Com elas na minh'alma adormeci.
Mas, quando despertei, nem uma vi
Que da minh'alma, Alguém, tudo levou!
.
Maria das Quimeras, que fim deste
Às flores d'oiro e azul que a sol bordaste,
Aos sonhos tresloucados que fizeste?
.
Pelo mundo, na vida, o que é que esperas?...
Aonde estão os beijos que sonhaste,
Maria das Quimeras, sem quimeras?..."
.
Florbela Espanca

14/04/2011

"Mãos"


"Mãos..."


Como aves desarvoradas

Depois de roteiros vãos

Tuas mãos vieram, cansadas,

Se aninhar em minhas mãos...

Há momentos... Acontece...

Puro, o amor pode ficar,

Como duas mãos em prece,

Esquecidas, a rezar...

Quando maior é o carinho

Às vezes, tenho a impressão

De que conversam baixinho...

Tua mão... em minha mão..."

 


J. G. de Araújo Jorge (1914 / 1987),
do livro "Trevo de Quatro Versos"
1a ed. 1964
 




10/04/2011

É outono.

É outono. E é Verlaine... O Velho Outono
Ou o Velho Poeta atira-me à janela
Uma das muitas folhas amarelas
De que ele é o dispersivo dono...

E há uns salgueiros a pender de sono
Sobre um fundo de pálida aquarela.


Mário Quintana

08/04/2011

Basta pensar

Basta pensar em sentir
Para sentir em pensar.
Meu coração faz sorrir
Meu coração a chorar.
Depois de parar de andar,
Depois de ficar e ir,
Hei de ser quem vai chegar
Para ser quem quer partir.

Viver é não conseguir.

Fernando Pessoa

06/04/2011

Mãos Dadas



Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

Carlos Drummond de Andrade