31/07/2010

Um anjo

Um anjo vem todas as noites:
senta-se ao pé de mim, e passa
sobre meu coração a asa mansa,
como se fosse meu melhor amigo.
Esse fantasma que chega e me abraça
(asas cobrindo a ferida do flanco)
é todo o amor que resta
entre ti e mim, e está comigo.

Lya Luft

30/07/2010

As carícias do olhar

As carícias do olhar são as mais adoráveis
Chegam ao fundo da alma, aos limites do Ser.
e libertam assim segredos inefáveis
de outro modo em silêncio, e sem ninguém saber.

Os beijos puros, são grosseiros, junto a elas;
mais que qualquer palavra o seu falar é forte;
nada exprime melhor, no mundo, as coisas belas
que passam num momento, em efêmera sorte.

Quando a idade envelhece a boca em seu sorrir
que as rugas vão marcando aos poucos de amargura,
intacta ainda, mantém sua límpida ternura.

Feitas para inebriar, consolar, seduzir,
guardam toda a doçura, e os ardores e o encanto!
Que outra carícia em luz trespassa o nosso pranto?
 
Auguste Angellier
tradução de J. G. de Araújo Jorge

29/07/2010

" Tudo Estranho "


" Tudo Estranho "



Sim, quantas vezes, por íntimo pudor,
por orgulho talvez, amor-próprio, vaidade,
escondemos no riso a nossa dor...
.....................................................................

- Coisa estranha, a felicidade!
- Estranha coisa, o amor!

J. G. de Araújo Jorge

28/07/2010

Íntimo Navio


" Íntimo Navio "

És triste como eu sou, Irmão de horas aziagas,

Mas teu destino é quase brando

A par de minhas lágrimas sem fim:

Tu inda tens um mar onde naufragas,

Mas eu vou naufragando

Na solidão de mim...

 


Maria Helena
(poetisa portuguesa)


27/07/2010

O Amor

O Amor

E alguém disse:
Fala-nos do Amor:

- Quando o amor vos fizer sinal, segui-o;
ainda que os seus caminhos sejam duros e difíceis.
E quando as suas asas vos envolverem, entregai-vos;
ainda que a espada escondida na sua plumagem
vos possa ferir.
E quando vos falar, acreditai nele;
apesar de a sua voz
poder quebrar os vossos sonhos
como o vento norte ao sacudir os jardins.
Porque assim como o vosso amor
vos engrandece, também deve crucificar-vos
E assim como se eleva à vossa altura
e acaricia os ramos mais frágeis
que tremem ao sol,
também penetrará até às raízes
sacudindo o seu apego à terra.
Como braçadas de trigo vos leva.
Malha-vos até ficardes nus.
Passa-vos pelo crivo
para vos livrar do joio.
Mói-vos até à brancura.
Amassa-vos até ficardes maleáveis.
Então entrega-vos ao seu fogo,
para poderdes ser
o pão sagrado no festim de Deus.
Tudo isto vos fará o amor,
para poderdes conhecer os segredos
do vosso coração,
e por este conhecimento vos tornardes
o coração da Vida.
Mas, se no vosso medo,
buscais apenas a paz do amor,
o prazer do amor,
então mais vale cobrir a nudez
e sair do campo do amor,
a caminho do mundo sem estações,
onde podereis rir,
mas nunca todos os vossos risos,
e chorar,
mas nunca todas as vossas lágrimas.
O amor só dá de si mesmo,
e só recebe de si mesmo.
O amor não possui
nem quer ser possuído.
Porque o amor basta ao amor.
E não penseis
que podeis guiar o curso do amor;
porque o amor, se vos escolher,
marcará ele o vosso curso.
O amor não tem outro desejo
senão consumar-se.
Mas se amarem e tiverem desejos,
deverão se estes:
Fundir-se e ser um regato corrente
a cantar a sua melodia à noite.
Conhecer a dor da excessiva ternura.
Ser ferido pela própria inteligência do amor,
e sangrar de bom grado e alegremente.
Acordar de manhã com o coração cheio
e agradecer outro dia de amor.
Descansar ao meio dia
e meditar no êxtase do amor.
Voltar a casa ao crepúsculo
e adormecer tendo no coração
uma prece pelo bem amado,
e na boca, um canto de louvor.

Khalil Gibran

26/07/2010

Avesso


Avesso

Seu olhar profundo
olha na poça d'água
e enxerga estrelas no fundo.

Helena Kolody

25/07/2010

"Lírica Nº 48 "

"Lírica Nº 48 "

Dou a impressão, como toda gente,

de que estou me dirigindo para algum lugar.

Entretanto,

onde quer que me encontre,

meu destino é você.

J. G. de Araújo Jorge

24/07/2010

" Inspiração "

" Inspiração "
I
Veio a imaginação
E soprou as chamas trêmulas dos meus olhos
e apagou as minhas retinas...
 
E eu me concentro:
- tenho olhos de boneco para fora
e olhos de poeta para dentro...
e era tão atrevido.
II
Veio a imaginação
e atirou dois pedaços de estrela cadente
em meus olhos parados e desertos,
- e os meus olhos de boneco se acenderam
de repente,
sonhando de olhos abertos...

Agora:
- tenho olhos de boneco para dentro
e olhos de poeta para fora...


J. G. de Araujo Jorge
(Eterno Motivo)

23/07/2010

Crepúsculo


A sombra pousou nos seus cabelos
e as formas ficaram imprecisas;
mas suas mãos
encontraram a minha mão.

E houve todo o irreal do sonho
e da lenda porque, à noite,
como uma oferenda, veio o vento frio que,
passando quase violento,
encheu de pétalas o chão...

É por  isso que há
em mim todo esse desgosto
sentindo o vento frio no meu rosto
e tão vazia - a minha mão!

(autor desconhecido)

22/07/2010

O MUNDO É GRANDE


O MUNDO É GRANDE



O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.

Carlos Drummond de Andrade


21/07/2010

Soneto XCVIII

E esta palavra, este papel escrito
pelas mil mãos de uma mão só,
não fica em ti, não serve para sonhos,
cai à terra: ali permanece.

Não importa que a luz ou a louvação
se derramem e saiam da taça
se foram um tenaz tremor do vinho
se tingiu tua boca de amaranto.

Não quer mais a sílaba tardia,
o que traz e retraz o arrecife
de minhas lembranças, a irritada espuma,

não quer mais senão escrever teu nome.
E ainda que o cale meu sombrio amor
mais tarde o dirá a primavera.

Pablo Neruda


19/07/2010

Canción de la Novia.

Canción de la Novia.


¡Oh, es tarde para el amor, tarde para la alegría,

Tarde, demasiado tarde!

Has vagado en el camino por mucho tiempo,

Has dudado frente a la puerta:

La encantada paloma sobre la rama

Murió sin un compañero;

La encantada princesa en su torre
Durmió detrás de las rejas;
Su corazón se encogía de pesar

Mientras tu la obligabas a esperar.
Hace diez años, hace cinco años,
Un año atrás,

Incluso entonces habrías llegado a tiempo,

Aunque parco y lento;

Hubieses visto su rostro viviendo,

El que ya no podrás contemplar:

La fuente congelada podría borbotear

Los brotes continuados y soplar,

El cálido viento del sur podría despertar

Para derretir la nieve.

¿Es ella hermosa ahora que yace?
En un tiempo lo fue;

Una reina para cualquier rey,

Con polvos dorados sobre el cabello,

Ahora son amapolas en sus rizos,

Blancas amapolas ha de llevar;

Un velo sobre el rostro ha de llevar

Junto a su anhelada tumba:

¿O es el hambre saciado lentamente

Quién suelta las amarras del cuidado?

Nunca la vimos sonreír,
O con el ceño arrugado;

Su lecho nunca le pareció suave

Aunque se sacuda debajo;

Nunca atendió sus ropas,

Mortajas, vestidos, o coronas;

Pensamos que su frente blanca sufría

Bajo el peso de su joyas,

Antes de que el cabello plateado asomara

En el campo perdido de los castaños.

Nunca la escuchamos hablar con premura,

Sus tonos eran dulces,

Y modulando sin luces,

Apenas lo necesario:

Su corazón se sentó silencioso entre el ruido

Y las mareas de la calle.

No había prisa en sus manos,

Ninguna prisa en sus pies;

No había ninguna dicha cercana

Que ella no se detuviese a saludar.
ebías haberla llorado ayer,
Llorado sobre su cama desierta:
¿Pues dónde habrás de llorar hoy

Si está muerta?

Los que la amamos no lloramos hoy,

Pero coronamos su cabeza real.

Deja estas amapolas que esparcimos;

Tus rosas son demasiado rojas:

Deja que estas amapolas, no para ti,

Crezcan y se extiendan.


Christina Georgina Rossetti
(1830-1894)

18/07/2010

Surpresa em dobro (Old Dogs, 2009, 88 min.)

Charlie (John Travolta) e Dan (Robin Williams) são amigos de longa data, que possuem uma empresa de marketing esportivo. Eles estão prestes a fechar o negócio de suas vidas com uma empresa japonesa, comandada por Yoshiro Nishamura (Sab Shimono). Um dia, Dan recebe uma carta de Vicki (Kelly Preston), dizendo que deseja encontrá-lo. Ela se casou com Dan anos atrás, mas o matrimônio durou apenas um dia pois estavam bêbados quando a cerimônia foi realizada. Desde então perderam contato, apesar de Dan ainda gostar dela. Ele se prepara para o encontro, sem imaginar o que está por vir: Vicki está prestes a ser detida em uma penitenciária por duas semanas e deseja apresentar a Dan os filhos que fizeram naquela única noite, Zach (Conner Rayburn) e Emily (Ella Bleu Travolta).

Minha nota: ***

Fragilidade



Senhor, que inquieta e triste natureza,
que alma é esta, a alma que me deste?
Foi um capricho teu, ou foi o acaso
que assim me fez, que me formou assim?

Só hoje estou consciente do mistério
e dos perigos do meu pobre ser.
E é por isso que vivo e desespero
e desespero e vivo, e sofro tanto.

Senhor, por que tão frágil me fizeste?
Por que me abandonaste nestes mares
à mercê dos tufões e das tormentas?

Por que, Senhor, nas águas me deixaste,
lenho tão fraco pra tão rudes ondas,
barco feito tão-só para os naufrágios?

A. F. S. 

17/07/2010

" Dualismo "

" Dualismo "

Sou a repetição de um velhíssimo drama,
pantomima banal sem princípio e sem fim...
( há de sempre existir na vida de quem ama
um pouco de Pierrot... e um pouco de Arlequim ! )
 
Como uma ave escondida a cantar numa rama,
trago um poeta que sonha e faz versos por mim,
- a alma cheia de sol !... sigo no entanto assim
como quem traz nos pés sempre um pouco de lama...

Meus olhos são janelas que escancaro ao sonho !
E as mãos, - mesmo nas horas em que a sós componho
São raízes nervosas de desejos vãos...
 
Existo, - nesse eterno dualismo esquisito:.
- tendo os olhos abertos cheios de infinito!
- e enraizadas na terra, e sujas, as minhas mãos !

J. G. de Aráujo Jorge

15/07/2010

Saudade

Saudade



Via você na janela na distância,

na solidão na penumbra do amanhecer.

Via você na noite, nas estrelas, nos planetas,

nos mares, no brilho do sol e no anoitecer.

Via você no ontem , no hoje, no amanhã...

Mas não via você no momento.

Que saudade...





Mário Quintana

14/07/2010

Soneto

No meio da terra afastarei
as esmeraldas para divisar-te
e tu estarás copiando as espigas
com tua pluma de água mensageira.

Que mundo! Que profundo perrexil!
Que nave navegando na doçura!
E tu talvez e eu talvez topázio!
Já divisão não haverá nos sinos!

Já não haverá senão todo o ar liberto,
as maçãs transportadas pelo vento,
o suculento livro na ramagem,

e ali onde respiram os cravos
fundaremos um traje que resista
de um beijo vitorioso a eternidade.

PabloNeruda
Cem sonetos de Amor, pag. 116

13/07/2010

Estou só.
Só, como a lua
que vejo límpida e nua
no imenso céu
sem nuvem, sem véu...
Estou só
como a noite constelada,
a noite silenciosa, a noite quieta,
a noite alta...
como o coração do Poeta
sem a amada...
***
J. G. de Araújo Jorge

12/07/2010

Poema da grande alegria



"Poema da grande alegria"


Olhavas-me tanto

E estavas tão perto de mim

Que, no meu êxtase,

Nem sabia qual fosse

Cada um de nós...

Era num lugar tão longe

Que nem parecia neste mundo...

Num lugar sem horizontes,

Onde, sobre águas imóveis,

Havia lótus encantados...

Vinham de mais longe...

De ainda mais longe,

Músicas sereníssimas,

Imateriais como silêncios...

Músicas para se ouvirem com a alma, apenas...

E tudo, em torno,

Eram purificações...

Não sei para onde me levavas:

Mas aqueles caminhos pareciam

Os caminhos eternos

Que vão até o último sol...

E eu me sentia tão leve

Como o pensamento de quem dorme...

Eu me sentia com aquela outra Vida

Que vem depois da vida...

Eleito, ó Eleito,

Eu queria ficar sonhando

Para sempre,

Tão perto de Ti

Que, no meu êxtase,

Nem se pudesse saber

Qual fosse cada um de nós...


Cecília Meireles

11/07/2010

Núpcias Pagãs


Braços dados, nós dois, vamos sozinhos...

O teu olhar de encantamento espraias

pelas curvas e sombras dos caminhos

debruados de jasmins e samambaias. 


Há queixumes de amor na alma dos ninhos

e as nuvens lembram danças de cambraias...

- na minha mão ansiosa de carinhos

tonta de amor, a tua mão, desmaias...


Andamos sobre painas... entre alfombras...

E à luz frouxa da tarde em desalento

misturam-se no chão as nossas sombras.
 


- Aqui... Há rosas soltas, desfolhadas...

Nada receies, meu amor - é o vento

em marcha nupcial pelas ramadas !

*

(Soneto de J. G. de Araujo Jorge - coletânea -



"Meus Sonetos de Amor " 1a edição - 1961 )

10/07/2010

Noiva



Ei-la toda de branco. Aos pés, o imenso véu

como em flocos de espuma, espalhado no chão...

No ar, dentro do olhar, cabe inteirinho um céu,

e leva um céu maior dentro do coração...


Nos lábios... Ah! nos lábios o sabor do mel,

e uma carícia em flor se entreabre em cada mão,

- e que tremor no braço, ao deixar no papel

o nome dela, o dele... os dois desde então...


Quem lhe falou da vida ? A vida é um sonho, a vida

é esse caminho azul, esse estranho embaraço

de sentir-se ao seu lado adorada e querida...


Aos seus pés, como nuvem branca, o imenso véu...

Quem dirá, que ao seguir apoiada ao seu braço

não pensa que caminha em direção ao céu ?...

***

(Soneto de J. G. de Araújo Jorge - coletânea -



"Meus Sonetos de Amor " 1a edição - 1961 )

09/07/2010

O Amor


“Ainda que eu fale a língua dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine.
Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé ao ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei.
Ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres, e ainda entregue meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada serei.
O amor é paciente, é benigno, o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
O amor jamais acaba...”
Primeira Carta de Paulo aos Coríntios, capítulo 13

08/07/2010

Triste passeio


Vou pela estrada, sozinha.

Não me acompanha ninguém.

Num atalho, em voz mansinha:

"Como está ele? Está bem?"
 


É a toutinegra curiosa:

Há em mim um doce enleio...

Nisto pergunta uma rosa:

"Então ele? Inda não veio?"


Sinto-me triste, doente...

E nem me deixam esquecê-lo!...

Nisto o sol impertinente:

"Sou um fio do seu cabelo..."


Ainda bem. É noitinha.

Enfim já posso pensar!

Ai, já me deixem sozinha!

De repente, oiço o luar:


"Que imensa mágoa me invade,

Que dor o meu peito sente!

Tenho uma enorme saudade

De ver o teu doce ausente!"


Volto a casa. Que tristeza!

Inda é maior minha dor...

Vem depressa. A natureza

Só fala de ti, amor!
***
Florbela Espanca



(1894-1930)

07/07/2010

Soneto XVII

Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio

ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva

dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,

e graças a teu amor vive escuro em meu corpo

o apertado aroma que ascender da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,

te amo directamente sem problemas nem orgulho:

assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

senão assim deste modo em que não sou nem és

tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha

tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.

Pablo Neruda

06/07/2010

Qual?


Qual?

Damos nomes aos astros...

Qual será nosso nome

nas estrelas distantes?

Helena Kolody

05/07/2010

O mais-que-perfeito

Ah quem me dera ir-me

Contigo agora

Para um horizonte firme

(comum,embora...)

Ah,quem me dera ir-me!



Ah,quem me dera amar-te

Sem mais ciúmes

De alguém em algum lugar

Que não presumes...

Ah,quem me dera amar-te!



Ah,quem me dera ver-te

Sempre a meu lado

Sem precisar dizer-te

Jamais: cuidado...

Ah,quem me dera ver-te!


Ah,quem me dera ver-te

Como um lugar

Plantado num chão verde

Para eu morar-te

Morar -te até morrer-te...
***
Vinicius de Moraes